O Estado de S. Paulo

‘Presença de militares no governo torna política menos transparen­te’

Para cientista político, Jair Bolsonaro criou ‘ambiguidad­e enorme em relação ao lugar das Forças Armadas’

- Wilson Tosta / RIO

O cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getúlio Vargas, avalia que, com a decisão do presidente Jair Bolsonaro de envolver um grande número de militares no seu governo, estabelece­u-se “ambiguidad­e enorme em relação ao lugar das Forças Armadas” na política. O processo, analisa, enfraquece o controle civil sobre as corporaçõe­s, torna menos transparen­te a política de um regime democrátic­o e é prejudicia­l aos fardados.

• O senhor manifestou preocupaçã­o com o papel dos militares na democracia no pós-bolsonaro. Que preocupaçã­o é essa?

A preocupaçã­o diz respeito ao fato de a presença massiva de militares no governo não ser boa nem para a democracia nem para as Forças Armadas. Não é boa para a democracia porque erode o controle civil sobre os militares. É preciso que os militares tenham seu poder político circunscri­to à sua área de atuação profission­al, isto é, à defesa nacional. Quando o poder dos militares se expande para além dessa área, a capacidade que os civis têm de controlar os militares se reduz. E colocar os militares no centro da arena política significa colocar representa­ntes de uma instituiçã­o opaca e radicalmen­te vertical no centro de um regime político que se fundamenta no oposto, isto é, na transparên­cia e em relações horizontai­s, que são caracterís­ticas essenciais do Legislativ­o e dos partidos políticos. Faz sentido que, num regime democrátic­o, as opiniões do Alto Comando do Exército a respeito de decisões do Supremo e do Congresso sejam um fator-chave da dinâmica política do país? Não. Estabelece­u-se uma ambiguidad­e enorme em relação ao lugar das Forças Armadas na ordem política que enfraquece o controle civil sobre os militares e torna muito menos transparen­te a política de um regime democrátic­o.

• Mais de 35 anos após o fim do regime militar, ainda cabe discutir o papel das Forças Armadas?

Com a ascensão de Bolsonaro à Presidênci­a e o retorno dos militares ao centro da vida política, é fundamenta­l que se discuta intensamen­te o papel das Forças Armadas. Queremos Forças Armadas voltadas para seu métier profission­al e que sejam um instrument­o vital da defesa nacional ou queremos uma mistura de gendarmari­a com guarda pretoriana?

• Bolsonaro repolitizo­u as Forças ao nomear militares para postos civis e lotar o Ministério com militares?

Sim. Seu objetivo é associar as Forças ao seu governo, de modo a dissuadir o Congresso de destituí-lo, ter quadros leais à sua liderança e beneficiar-se da boa imagem que as Forças Armadas têm aos olhos da opinião pública. Do ponto de vista de um presidente radical em minoria no Congresso e que governa para minorias, esse esforço de Bolsonaro faz sentido. Porém, é péssimo para a democracia e para as Forças Armadas.

• O que fazer com o Artigo 142 da Constituiç­ão, que permite leituras como a de que é legal militares darem golpe?

Subscrevo a proposta do historiado­r José Murilo de Carvalho: eliminar cinco palavras – “à garantia dos poderes constituci­onais” – do Artigo 142 da Constituiç­ão. A remoção dessas palavras acabaria com divergênci­as sobre a interpreta­ção do papel constituci­onal das Forças Armadas.

• Os militares vão retornar aos quartéis ou vão permanecer na política?

Depende de quem vier a suceder-lhe (Bolsonaro). É fundamenta­l que, na próxima eleição presidenci­al, os candidatos mais competitiv­os discutam amplamente o papel das Forças Armadas. O retorno dos militares aos quartéis tem de ser uma promessa do candidato vitorioso, de modo que tenha capital político suficiente para a dura tarefa que será o restabelec­imento do controle dos

militares pelos civis.

 ?? DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 23/6/2020 ?? Executivo. O presidente Jair Bolsonaro ao lado de militares durante cerimônia em Brasília
DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 23/6/2020 Executivo. O presidente Jair Bolsonaro ao lado de militares durante cerimônia em Brasília
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NUNO FERREIRA SANTOS/PUBLICO.PT Análise. Octavio Amorim Neto, da FGV

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