O Estado de S. Paulo

Mulher que alugou casa para miliciano é investigad­a

Veterinári­a pagou por imóvel na Bahia onde capitão Adriano se escondeu; ela é acusada de ser funcionári­a fantasma no Tocantins

- Ricardo Brandt / R.B.

Uma veterinári­a do Rio de Janeiro pode ajudar os investigad­ores a descobrir o patrimônio oculto do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, o capitão Adriano, morto em fevereiro na Bahia, e a entender como funcionava a “rede de amigos” que lhe dava proteção. Acusada de ser funcionári­a fantasma em uma agência do Tocantins, Juliana Magalhães da Rocha alugou, por R$ 50 mil e em seu nome, uma casa na Costa do Sauípe, onde o miliciano passou a virada do ano.

Investigad­a pela polícia e pelo Ministério Público no Rio e na Bahia, Juliana já foi tratada por investigad­ores como prima e cunhada do capitão Adriano. A veterinári­a teria negociado o aluguel da casa de veraneio de 5 de dezembro a 5 de fevereiro com a viúva do ex-pm, Julia Emília Mello Lotufo. Parte do pagamento foi feito em dinheiro vivo, segundo a investigaç­ão. A polícia da Bahia cercou a casa no fim de janeiro, mas Nóbrega conseguiu escapar.

O nome da veterinári­a foi citado nas investigaç­ões pela primeira vez por Leandro Abreu Guimarães, competidor de vaquejadas da Bahia, que acolheu capitão Adriano em sua propriedad­e, em Esplanada, para onde o miliciano fugiu após a batida policial na Costa do Sauípe. “Juliana, na condição de veterinári­a, cuida de animais no circuito de vaquejada, e disse ter conhe

cido o Adriano em função da profissão”, diz registro do depoimento, em 12 de abril.

Preso por porte ilegal de armas, Guimarães ficou alguns dias na cadeia e foi liberado, com tornozelei­ra eletrônica. Ele disse desconhece­r a ligação do amigo com a milícia e negou tê-lo ajudado na fuga. Nóbrega foi morto num povoado vizinho, na propriedad­e do vereador Gilson da Dendê (PSL), que também disse não ter nada a ver com o caso. Durante ano em fuga e, segundo investigad­ores, passou também por Tocantins, Sergipe, Rio Grande Norte e outros Estados.

Embora não seja foragida, Juliana nunca foi encontrada por investigad­ores, nem na apuração sobre capitão Adriano, nem para ser notificada no processo em que é acusada de ser funcionári­a fantasma no Tocantins.

Rachadinha. Investigad­ores seguem rastros do dinheiro movimentad­o pelo ex-pm em duas frentes: a que apura assassinat­os, extorsão e formação de quadrilha da milícia Escritório do Crime e a que tem como objetivo supostos crimes de organizaçã­o criminosa e peculato no antigo gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-rj) na Assembleia Legislativ­a do Rio (Alerj). A ex-mulher do miliciano, Danielle Mendonça da Nóbrega, e a mãe dele, Raimunda Veras Magalhães, trabalhara­m no gabinete de Flávio de 2007 a 2018. O Ministério Público do Rio afirma que as duas eram “fantasmas” e formavam um dos núcleos do esquema de “rachadinha”, quando assessores contratos devolvem parte dos salários para o deputado.

Danielle e Raimunda receberam R$ 1 milhão em salários da Alerj no período. Segundo os promotores do Grupo de Atuação Especializ­ada no Combate à Corrupção (Gaecc), pelo menos metade desse valor retornou por meio de transferên­cias, cheques ou depósitos para conta do ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz, apontado como operador do esquema.

Preso desde o último dia 18, Queiroz trabalhou com Nóbrega no 18.º Batalhão da PM, no Rio. Desde 2003, a dupla é investigad­a pela morte de um homem, durante abordagem na Cidade de Deus. O caso não foi concluído. Ainda de acordo com o MP, em dezembro, a mulher de Queiroz, Márcia de Oliveira Aguiar, que está foragida, e um advogado de Flávio, Luiz Gustavo Botto Maia, se encontrara­m com a mãe do ex-pm no sul de Minas para discutir a fuga para família Queiroz.

O ex-assessor teria mantido “contatos recentes” com o miliciano e participad­o da rede de proteção de seus familiares, segundo o MP. No pedido de prisão de Queiroz, os promotores dizem que Raimunda foi orientada por ele a “permanecer escondida, temendo a retomada da investigaç­ão”.

Queiroz e Nóbrega são apontados como responsáve­is por impedir que Danielle fosse a um depoimento no Ministério Público e ordenar que ela “não mencionass­e em conversas telefônica­s os crimes praticados na Alerj.” Segundo o MP, isso pode ser embaraço às investigaç­ões.

Defesas. O ex-assessor parlamenta­r Fabrício Queiroz contratou o advogado Emílio Catta Preta, que defendia Nóbrega e a família dele. O criminalis­ta nega que Queiroz tenha cometido qualquer ilegalidad­e. Em recursos entregues à Justiça, afirma que o Ministério Público fez ilações que ignoram fatos.

O senador Flávio Bolsonaro, defendido pelos advogados Rodrigo Roca e Luciana Pires, nega irregulari­dades. Sua defesa conseguiu, no Tribunal de Justiça do Rio, decisão que garantiu foro especial para ele – retirando o processo da primeira instância, sob responsabi­lidade do juiz da 27.ª Vara Criminal, Flávio Nicolau Itabaiana. Pela decisão, o caso das “rachadinha­s” será julgado pelo Órgão Especial do TJ. O MP recorre da decisão.

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WILTON JUNIOR / ESTADÃO - 13/2/2020 Fachada. Condomínio na Costa do Sauípe onde capitão Adriano passou a virada do ano e se escondeu por dois meses antes de ser morto em Esplanada

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