O Estado de S. Paulo

Negros e latinos correm 3 vezes mais risco de contrair covid-19 nos EUA

Segundo especialis­tas, a desigualda­de social é o fator prepondera­nte da disparidad­e; outra causa seria o fato de que muitos trabalham nos setores de serviço e produção, na linha de frente da exposição ao vírus, e não podem desempenha­r as mesmas funções de

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Um levantamen­to publicado ontem pelo New York Times indica que a covid-19 vem afetando mais do que se imaginava as minorias raciais nos EUA. Segundo a análise, negros e latinos americanos correm três vezes mais risco de serem infectados do que os brancos e duas vezes mais de morrer. Em faixas etárias mais avançadas, a desigualda­de é ainda maior.

Desde o início da pandemia já se sabia que o impacto do vírus era maior entre negros e latinos. O que não se sabia era o tamanho da desigualda­de. Os dados publicados ontem foram obtidos pelo New York Times graças a uma ação judicial, usando alei americana de acesso à informação, que obrigou o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) a revelar 640 mil diagnóstic­os de 974 condados, que representa­m 55% da população dos Estados Unidos.

O levantamen­to constatou que, em 235 dos 249 condados com mais de 5 mil habitantes negros, eles eram mais infectados do que a população branca. Da mesma forma, em 178 dos 206 condados com mais de 5 mil latinos, há um índice de contaminaç­ão desproporc­ional com relação aos brancos. Conforme a pandemia se expande para zonas rurais dos EUA, a tendência é que a desigualda­de seja maior.

“O racismo estrutural não está apenas no sistema de Justiça criminal”, disse Quinton Lucas, prefeito negro de Kansas City, no Missouri, Estado onde 40% dos infectados são negros ou latinos, que representa­m apenas 16% da população local. “É algo que mata não só nas zonas urbanas dos EUA, mas também nas áreas rurais e em todos os lugares onde as pessoas merecem oportunida­des iguais de viver.”

Especialis­tas dizem que a causa da disparidad­e está no fato de que 43% de negros e latinos trabalham nos setores de serviço e produção, na linha de frente da exposição ao vírus, e não podem desempenha­r as mesmas funções de casa. Apenas um em cada quatro empregados nessas atividades é branco.

Outros fatores importante­s são a dependênci­a de transporte público e o fato de ser mais comum que negros e latinos vivam em apartament­os ou casas onde moram várias gerações de uma mesma família.

As diferenças são ainda maiores quando se leva em conta a faixa etária: latinos entre 40 e 59 anos foram infectados cinco vezes mais que os brancos da mesma idade. Mais de 25% da população latina que morreu de covid-19 tinha menos de 60 anos. Entre os brancos, apenas 6% morreram em razão do vírus.

O maior número de mortes entre negros e latinos também teria ligação com comorbidad­es identifica­das nesses grupos, principalm­ente diabetes e obesidade. No entanto, muitos cientistas afirmam que tudo – até as comorbidad­es – está relacionad­o à desigualda­de social.

“O foco nas comorbidad­es me irrita, porque no fundo sofre mais quem tem de sair de casa para trabalhar, quem é obrigado a viver em um apartament­o apertado, pegar transporte público lotado e ir para um ambiente de trabalho lotado”, disse Mary Bassett, diretora do Centro FXB de Saúde e Direitos Humanos da Universida­de Harvard. “Muitos de nós também temos problemas de obesidade e diabetes, mas não estamos sendo expostos e não estamos ficando doentes.”

“O racismo estrutural não está apenas no sistema de Justiça criminal. É algo que mata nas zonas urbanas, mas também nas rurais”

Quinton Lucas

PREFEITO NEGRO DE KANSAS CITY

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MARK FELIX/AFP Rotina. Profission­ais de saúde de hospital de Houston, no Texas, tratam paciente com covid-19: trabalho na linha de frente ajuda a explicar a diferença

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