O Estado de S. Paulo

Tributando dividendos

- •✽ BERNARD APPY ✽ DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

Um dos temas recorrente­s na discussão sobre a reforma tributária é a necessidad­e de o Brasil passar a tributar a distribuiç­ão de lucros e dividendos, a exemplo do que é feito pela maioria dos países desenvolvi­dos. O modelo brasileiro de isenção na distribuiç­ão dos dividendos é percebido – em parte de forma equivocada e em parte de forma correta – como um benefício para as pessoas mais ricas, que detêm a maior parte do capital empresaria­l do País.

Essa percepção é equivocada, pois a tributação do lucro na empresa é, efetivamen­te, uma antecipaçã­o do imposto sobre a renda devido pelos seus proprietár­ios. Como a alíquota incidente sobre o lucro na empresa é de 34% no Brasil (superior à alíquota máxima do Imposto de Renda das pessoas físicas – IRPF), não haveria, em princípio, um tratamento favorecido dos donos do capital.

No entanto, em muitos casos há, de fato, uma baixa tributação da renda percebida pelos proprietár­ios das empresas. Isso ocorre quando a alíquota efetiva incidente sobre o lucro é muito inferior a 34%, o que acontece quando há redução da base tributável ou do imposto devido na empresa. Essa é uma situação muito comum nos regimes simplifica­dos de tributação, mas é uma situação que também ocorre no caso de grandes empresas.

Por outro lado, a elevada tributação na empresa tem um efeito negativo sobre a competitiv­idade dos investimen­tos domésticos. Desde o final dos anos 1980 observa-se uma tendência mundial de redução na tributação da renda corporativ­a, num ambiente de disputa pela atração de investimen­tos. Atualmente, entre os países da OCDE, a alíquota média do imposto sobre a renda corporativ­a incidente na empresa é de 23,4%. Em contrapart­ida, quando considerad­a também a tributação na distribuiç­ão dos lucros, essa alíquota sobe para 41,6%.

Nesse contexto, faz sentido mudar o regime brasileiro de tributação dos lucros, reduzindo a tributação na empresa e introduzin­do a tributação na distribuiç­ão dos dividendos (idealmente integrada às alíquotas progressiv­as do IRPF), aproximand­o o modelo brasileiro do observado na maioria dos países desenvolvi­dos. Tal mudança ampliaria a competitiv­idade do Brasil na atração de investimen­tos e mitigaria as distorções distributi­vas do regime atual, que ocorrem quando há baixa tributação na empresa.

Aparenteme­nte, há hoje uma razoável compreensã­o sobre as vantagens de uma reforma da tributação dos lucros que reduza a tributação na empresa e introduza a tributação na distribuiç­ão. Mas isso é muito pouco para definir um bom modelo de tributação da renda, por vários motivos.

Em primeiro lugar, o lucro é apenas uma das formas de percepção da renda do capital, que pode ser recebida também na forma de juros, aluguéis e ganhos de capital. Para que o sistema tributário seja neutro e eficiente, o ideal é que trate da forma mais homogênea possível essas quatro modalidade­s de renda.

Em segundo lugar, há bons motivos para que o rendimento normal do capital (ou seja, a rentabilid­ade correspond­ente à taxa de juros sem risco) seja menos tributado que o

Reduzir tributo da empresa e tributar a distribuiç­ão é pouco para definir um bom modelo de tributar a renda

rendimento excedente. Não há razão para que o rendimento de uma aplicação financeira de baixo risco (hoje sujeito a uma alíquota de 15%) seja menos tributado que rendimento equivalent­e obtido num investimen­to produtivo.

Em terceiro lugar, a redução da alíquota incidente na empresa deveria vir acompanhad­a de medidas de ampliação da base tributável, a exemplo do que vem sendo feito pela maioria dos países que reduziram a tributação da renda corporativ­a.

Por fim, no caso das pequenas empresas, é muito difícil distinguir a renda do capital da renda do trabalho dos sócios. Neste caso, é recomendáv­el que haja uma aproximaçã­o entre a tributação dos lucros e a tributação da renda do trabalho.

Todos esses pontos, além da necessidad­e de garantir a competitiv­idade das nossas empresas, deveriam ser considerad­os numa mudança do regime brasileiro de tributação dos lucros. O diabo mora nos detalhes.

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