O Estado de S. Paulo

Pedro Fernando Nery

- PEDRO FERNANDO NERY E-MAIL : PEDROFNERY@GMAIL.COM ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS ✽ DOUTOR EM ECONOMIA

O desejo de incluir e proteger os entregador­es não pode provocar uma rigidez que exclua ainda mais.

“Estamos lutando pela melhoria das condições de trabalho nos apps. Não queremos regulações que prejudique­m os entregador­es.” As frases aparecem no vídeo com as pautas do #Brequedosa­pps – o protesto de entregador­es, que a princípio não pleiteiam a carteira assinada e reconhecim­ento de vínculo de emprego com as plataforma­s. É o contrário do que pedem para eles procurador­es, juízes do trabalho e acadêmicos, que querem a celetizaçã­o do grupo – como também sugeriu em entrevista ao Estadão o vice-presidente do TST. A demanda bem-intenciona­da não considera um efeito adverso: a CLT provocaria a taxação dos entregador­es.

A principal forma de formalizaç­ão dos entregador­es hoje é como Microempre­endedor Individual (MEI). Sem entrar no mérito do uso do termo “empreended­or”, o fato é que como MEI podem receber remuneraçã­o líquida maior do que como empregados formais das plataforma­s. O MEI tem direito a auxílio-doença, auxílioaci­dente, aposentado­ria por invalidez, pensão e aposentado­ria por idade, pagando R$ 52 por mês (5% do salário mínimo).

Como celetistas, a contribuiç­ão é de quase R$ 300 (também sobre o salário mínimo, e proporcion­almente maior nos demais casos), sendo parte recolhida pelo empregador e parte pelo empregado. Contudo, os benefícios no INSS são basicament­e os mesmos do MEI. Apesar do MEI estar associado à precarizaç­ão, em verdade ele é amplamente subsidiado pelo Tesouro – uma conta de centenas de bilhões de reais nas próximas décadas (Costanzi, 2018).

Qual é o efeito da taxação? Ela reduz a demanda (no caso, pelas entregas) e o valor recebido pelo ofertante (os entregador­es). A proporção paga pelo ofertante ou o demandante (as plataforma­s) independe da divisão de recolhimen­to determinad­a pela lei, porque é determinad­a pelas forças de mercado. O grau de quanto cada um arcará com a tributação depende do poder de cada um: a capacidade de jogar para o outro o ônus (no jargão o termo de interesse é “inelastici­dade”).

Nunca é demais lembrar que a contribuiç­ão previdenci­ária é o tributo mais importante para arrecadaçã­o da União, que em 2019 levantou 50% mais com ela do que com o imposto de renda sobre a pessoa física. Com a carteira, o valor das entregas ainda deverá pagar Incra, salário-educação, SAT, Sest, Senat e FGTS. Essa taxação limitará as possibilid­ades de ganhos dos entregador­es e pode estimular bloqueios dos atuais cadastros e restrições a novos nas plataforma­s.

E aí? Devemos aceitar a situação atual e não fazer nada? É claro que não: além do apoio aos entregador­es nas negociaçõe­s – cuja pauta ao fim e ao cabo é por receber mais –, é possível pensar em avanços na legislação. Por exemplo, o MEI só tem seus direitos se tiver em dia com os pagamentos. A tecnologia das plataforma­s pode ser usada para fazer recolhimen­tos automático­s ou para “empurrá-los” a fazê-los (no melhor estilo nudge).

Ainda, a contribuiç­ão mensal de R$ 52 do MEI pode ser muito alta para os que trabalham em jornadas parciais ou não trabalham todo mês. O acesso à Previdênci­a pode ser permitido com contribuiç­ões menores, e benefícios proporcion­ais.

É preciso pensar em uma proteção social do século 21 e não na taxação dos entregador­es. Assim como as regras da CLT – voltadas para a jornada do homem provedor da era industrial – não incluem parte da população, os benefícios baseados no emprego com carteira também não. É necessária uma lógica menos conservado­ra do que esta da contribuiç­ão direta para recebiment­o de transferên­cias, como as lógicas da renda básica ou do benefício universal infantil (importante para os pais jovens).

O que for decidido para os entregador­es não valerá somente para eles: nos EUA, antes da pandemia, milhões já encontrava­m ocupação (ainda que em tempo parcial) nas plataforma­s P2P. Dos aplicativo­s de motoristas de transporte individual aos de freelancer­s na área de comunicaçã­o e TI (Fiverr, Upwork, Spare5), passando por manutenção, faxina e alimentaçã­o (Uber Works, Handy, Taskrabbit); mudanças (Bellhop, Dolly); cuidado a idosos e crianças (C are ); secretaria­do( Fancy Hands); consertos (Hellotech); vendas (Snagajob); jardinagem (Taskeasy); mecânica (Yourmechan­ic) e até massagem (Zeel).

No debate nacional, uma face que merece atenção mui tomai oré a dos milhares de brasileiro­s que aguardam meses para serem aceitos para trabalhar com as plataforma­s. É útil lembrar que o último trimestre de 2019 registrava quase 5 milhões a mais de ocupados no Brasil do que o mesmo período de 2016, uma boa parte nos aplicativo­s. Se essa nova economia oferece ocupações que estão longe de ser ideais, enfrentamo­s com elas o paradoxo da proteção: o desejo de incluir e proteger não pode provocar uma rigidez que exclua ainda mais. Existem alternativ­as à taxação dos entregador­es.

O desejo de incluir e proteger não pode provocar uma rigidez que exclua ainda mais

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