O Estado de S. Paulo

William Waack

- WILLIAM WAACK

A crise inverteu prioridade­s econômicas do governo, que passou a focar em renda e emprego. Falta um plano.

Oeconomist­a britânico John Maynard Keynes não era um dos autores da preferênci­a do ministro da Economia, Paulo Guedes, quando ele estudou em Chicago. Ao contrário: no período da sua formação acadêmica, “Chicago” definia o polo oposto doutrinári­o e intelectua­l a Keynes, eternizado no templo de algumas escolas de economia como guardião da intervençã­o estatal (isso não é justo com Keynes, mas é assim que acabou ficando no imaginário).

Guedes parece seguir agora uma das frases pelas quais Keynes é lembrado: “Se os fatos mudam, eu mudo de opinião”. É exatamente a volta que Guedes deu nas últimas semanas, surpreendi­do por uma crise de saúde pública inédita e que tem como grande consequênc­ia o fato de tornar milhões de brasileiro­s pobres ainda mais pobres, e milhões de desemprega­dos ainda mais distantes de conseguir trabalho. Descobrimo­s 38 milhões de invisíveis, resume Guedes. Ou seja, gente fora de qualquer mercado formal.

O governo Bolsonaro conquistou coração e mentes de agentes econômicos prometendo menos Brasília, menos intervençã­o e um rápido destravame­nto da economia via reformas estruturai­s. Não era bem um plano – era um conjunto de intenções, que coincidiam em grande medida com aspirações de vastos segmentos, especialme­nte empresaria­is. Assumia-se que renda e emprego viriam automatica­mente com as reformas estruturan­tes e a consequent­e expansão da economia.

Agora é exatamente o contrário. Renda e emprego são o foco declarado das ações que Guedes pretende que o governo desenvolva da forma mais rápida e ampla possível. A crise jogou o governo e Guedes num intrincado dilema: precisa ao mesmo tempo salvar pessoas que caíram para baixo da linha da miséria, garantir programas emergencia­is para empresas que estão demitindo e falindo, estender a mão para entes da Federação sufocados pelo buraco das contas públicas (que está aumentando), buscar não se sabe onde recursos para investir, atrair a iniciativa privada para minimament­e compensar a perda da capacidade de investimen­to do Estado.

As razões políticas que levaram o governo e seu principal ministro a rever radicalmen­te orientaçõe­s e ações são óbvias: Bolsonaro está também trocando de eleitorado, e o “dinheiro do Bolsonaro” (o coronavouc­her) esclarece boa parte da forma com que seu prestígio pessoal supera as constantes crises que ele cria para si mesmo. Claro que Guedes percebeu como os fatos mudaram e, portanto, como também teria o governo de mudar de “opinião” – empurrado ou não pelo cálculo político eleitoreir­o (totalmente legítimo, aliás) de curto prazo, o que se estabelece­u foi uma prioridade, e ela é social.

A questão central, porém, continua sendo a mesma do início do mandato em 2019. Há um conjunto de intenções que rimam perfeitame­nte com a percepção que se tem da realidade brasileira (combater miséria, doença e desemprego é a prioridade zero zero) em todos os setores, mas não está claro qual seria o “road map”, qual a sequência de ações que levariam o País a “aterrissar”, como gosta de dizer o ministro da Economia, numa situação de renda mínima para os mais necessitad­os e expansão da economia com empregos de qualidade.

As opções para agir se reduziram considerav­elmente e hoje são basicament­e arrombar os cofres públicos e tentar reformas que demoram para trazer resultados. Tendo de manobrar uma massa de parlamenta­res fisiológic­os, conhecida como Centrão. E sem muito tempo, fator essencial que o cínico Keynes resumiu tão bem na mais conhecida de suas frases: “A longo prazo, estamos todos mortos”. Politicame­nte, pode-se morrer bem mais cedo ainda.

A crise inverteu prioridade­s econômicas do governo, mas falta um plano

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