Trump contra o mundo
Opresidente dos Estados Unidos, Donal d Trump, segue firme em seu propósito de desmantelar sistematicamente a ordem global fundamentada na democracia liberal e na cooperação entre as nações. Este arranjo geopolítico, não obstante suas crises, garantiu o mais estável período de prosperidade e de relativa paz na história recente. A liderança dos Estados Unidos neste processo, ao menos para o mundo ocidental, jamais havia sido posta à prova até novembro de 2016, quando Trump foi eleito presidente e mudou de forma radical o posicionamento de seu país no cenário internacional.
Nem os recentes reveses na campanha pela reeleição, que era dada como certa até a eclosão da pandemia de covid-19, fizeram Donald Trump recuar de seu desiderato. Acuado pela crise sanitária e seus severos desdobramentos socioeconômicos, que expuseram ainda mais a precariedade de sua liderança, o presidente americano dobrou a aposta no nacionalismo destrutivo e na governança pelo conflito. Trump recrudesceu o discurso contra seus críticos, aumentou a pressão sobre as minorias étnicas e sociais e reforçou o ataque às organizações multilaterais, que, em sua visão, usufruem das expressivas contribuições financeiras dos contribuintes americanos sem as devidas contrapartidas.
A retaliação à Organização Mundial da Saúde (OMS) faz parte desse contexto. Em abril, Trump anunciou o corte do financiamento americano à instituição, algo em torno dos US$ 400 milhões por ano. Foi um gesto moralmente condenável no momento em que o mundo inteiro se desdobra em esforços para enfrentar a covid-19, sob a orientação geral da entidade. Para justificar a decisão, Trump acusou a OMS de ter administrado “terrivelmente mal” a emergência sanitária ao “encobrir informações para favorecer a China”. Pode-se criticar a atuação da OMS no curso da pandemia, é evidente, mas a asfixia financeira da entidade, nem de longe, era a resposta mais indicada.
O ataque financeiro à OMS foi logo neutralizado pelo anúncio do aumento das contribuições anuais da Alemanha (¤ 500 milhões), da França (¤ 90 milhões) e da China (US$ 30 milhões). Já o dano político para os Estados Unidos e o abalo à imagem do país como o líder do chamado “mundo livre” serão bem mais difíceis de serem revertidos enquanto Trump permanecer na Casa Branca. Não satisfeito com a investida contra as finanças da OMS, o presidente americano cumpriu a ameaça de retirar os Estados Unidos da organização e ordenou, no dia 6 passado, o início do processo formal de desligamento da entidade.
Há que reconhecer que pode faltar seriedade a Donald Trump, mas não lhe falta palavra. O presidente americano notificou formalmente o presidente da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, que seu país deixará a OMS no dia 6 de julho de 2021, cumprido o prazo legal de um ano a contar da data de notificação. No entanto, a saída dos Estados Unidos da OMS ainda depende do esclarecimento jurídico acerca da necessidade de um aval do Congresso americano. O tema ainda é controvertido segundo analistas políticos. Além disso, depende também da reeleição de Donald Trump.
O democrata Joe Biden, adversário de Trump na disputa eleitoral, anunciou que, caso seja eleito presidente dos Estados Unidos, em novembro, esse processo de saída do país da OMS será interrompido. “Os cidadãos americanos estão mais seguros quando os Estados Unidos estão empenhados em fortalecer a saúde global. No meu primeiro dia de governo, voltarei à OMS”, disse Biden. O candidato democrata foi além e prometeu “restaurar a liderança dos Estados Unidos no cenário mundial”. O fortalecimento da democracia liberal diante dos ataques que vem sofrendo nos últimos quatro anos, não só nos Estados Unidos, depende fundamentalmente disso. O mundo passará por muitas transformações após a pandemia e o vácuo de liderança no cenário global é fator de enorme instabilidade.
Saída dos EUA da OMS é um passo a mais no desmantelamento da ordem global