O Estado de S. Paulo

PL das fake news preocupa especialis­tas

Analistas ouvidos pelo ‘Estado’ apontam que texto em discussão na Câmara pode oferecer risco à privacidad­e e à liberdade de expressão

- Rafael Moraes Moura/ BRASÍLIA

O polêmico projeto das fake news, que está sob análise na Câmara, pode limitar a liberdade de expressão, prejudicar o debate democrátic­o e abrir margem para excessos que põem em risco a privacidad­e dos usuários, alertam especialis­tas ouvidos pelo Estadão. Entre as medidas presentes na proposta, aprovada pelo Senado, estão a exclusão de contas falsas, a moderação do conteúdo publicado em plataforma­s e o armazename­nto de registros de mensagens disparadas por celular. O presidente Jair Bolsonaro já avisou que vai vetar o texto, caso seja aprovado pelos deputados.

Por tratar de um tema tão complexo e delicado, o projeto deveria ser amplamente discutido pelos parlamenta­res e a sociedade brasileira, e não aprovado a toque de caixa, avalia o professor Bruno Bioni, fundador da Data Privacy Brasil de Pesquisa, associação voltada para a área de privacidad­e e proteção de dados. Na opinião de Bioni, um dos trechos mais problemáti­cos do projeto das fake news é o que prevê que serviços de mensagem, como o Whatsapp e o Telegram, deverão guardar os registros dos envios de mensagens em massa por três meses.

O texto impõe o armazename­nto quando a mensagem disparada alcançar ao menos mil usuários. “Como isso vai ser operaciona­lizado? Você vai criar por esse prazo de três meses um catálogo muito preciso sobre como as pessoas se comunicam, o que é problemáti­co para o direito à privacidad­e e proteção de dados pessoais”, disse o professor.

“Quando você cria essa infraestru­tura de vigilância, você flexibiliz­a o princípio da presunção de inocência, partindo do pressupost­o de que todas as pessoas podem praticar ilícitos”, acrescento­u.

Contas falsas. O advogado Pablo Cerdeira, coordenado­r do Centro de Tecnologia para o Desenvolvi­mento da FGV, avalia que o veto a contas falsas pode trazer consequênc­ias indesejáve­is. De acordo com o projeto, as redes sociais e os serviços

de mensagens privados deverão vetar o funcioname­nto de “contas inautêntic­as”, definidas pelo próprio texto como aquelas que foram criadas com o propósito de “assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público”. “Não sei se a gente precisa tornar mais fácil identifica­r alguém na internet. Suponha um grupo de

mulheres que se reúnam num grupo do Whatsapp pra debater assédios que sofrem no trabalho. Talvez queiram compartilh­ar experiênci­as sem se expor”, disse Cerdeira.

“Há casos em que isso seria interessan­te, se você imaginar alguém que está espalhando discurso de ódio, mas por outro lado abre espaço para perseguir

minorias e grupos opositores”, disse. Outro ponto criticado do projeto de lei é o que trata de moderação das redes sociais. “É difícil fazer certos julgamento­s que são subjetivos, em certo grau, imagina estabelece­r critérios de moderação aplicados em escala. Difícil exigir um grau de qualificaç­ão do debate com critérios rigorosos em massa”,

afirmou Rodrigo Karolczak, pesquisado­r do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP.

Para a presidente do Instituto Palavra Aberta, Patricia Blanco, “não existe bala de prata”. “É necessário ampliar o espaço da educação midiática em qualquer lei que tenha como objetivo combater a desinforma­ção.”

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JEFFERSON RUDY/AGENCIA SENADO - 1/7/2020 Rito. Aprovado no Senado, texto segue para a Câmara dos Deputados; Presidente Bolsonaro já disse que pode vetar projeto

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