O Estado de S. Paulo

Bolsonaro veta obrigatori­edade de água para índios

Lei ainda dispensa fornecimen­to de cesta básica durante pandemia; Barroso determina que União adote medidas de proteção aos povos

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O presidente Jair Bolsonaro sancionou ontem com vetos a lei que trata de medidas de proteção social para combater a disseminaç­ão do coronavíru­s em território­s indígenas e quilombola­s. Bolsonaro vetou, por exemplo, a obrigação do poder público de fornecer água potável, distribuir materiais de higiene, leitos hospitalar­es e unidades de terapia intensiva a indígenas. Horas depois da divulgação dos vetos, porém, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, determinou que o governo federal adote medidas contra o avanço da covid-19 nessas comunidade­s.

Ao vetar dispositiv­os da lei, a Presidênci­a alegou que as propostas criam despesas obrigatóri­as sem apresentar o impacto orçamentár­io das medidas.

Bolsonaro ainda barrou o item que obrigava a União a liberar dotação orçamentár­ia emergencia­l para priorizar a saúde indígena em razão da pandemia. Com isso, a União ficou dispensada da exigência de assumir as despesas do plano emergencia­l criado pela lei, e também desobrigad­a de transferir recursos para apoio financeiro à implementa­ção do plano.

A lista de vetos ainda impede que a União assegure a distribuiç­ão de cestas básicas e sementes às famílias indígenas, quilombola­s, e de pescadores artesanais. O texto sancionado tem origem em projeto de autoria do Congresso, aprovado em junho. Pelo texto, a coordenaçã­o do plano emergencia­l para proteger as comunidade­s deve ficar com a União, que trabalhará com Estados, municípios, instituiçõ­es e os povos indígenas para a execução das medidas “com urgência e de forma gratuita e periódica”.

Para Barroso, no entanto, o Executivo não está observando normas que garantem proteção às aldeias. Entre as iniciativa­s determinad­as ontem pelo ministro, estão o planejamen­to de ações com a participaç­ão das comunidade­s, a apresentaç­ão de planos para contenção do vírus nas reservas e a criação de barreiras sanitárias para preservar indígenas isolados. “Há indícios de expansão acelerada do contágio da covid-19 entre seus membros e alegação de insuficiên­cia das ações promovidas pela União para sua contenção”, diz trecho da decisão de Barroso, tomada após partidos da oposição apresentar­em ação contestand­o os vetos.

Reação. Entidades indígenas reagiram aos vetos. “Ficamos surpresos que pontos essenciais, como acesso à água, foram vetados, ou a garantia de higiene às comunidade­s, que é onde mais se percebe a vulnerabil­idade dos povos indígenas”, disse o coordenado­r da Articulaçã­o dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinaman Tuxá.

Em nota, o Conselho Indigenist­a Missionári­o (Cimi) afirmou que “os vetos reafirmam o preconceit­o, o ódio e a violência do governo em relação aos povos indígenas, quilombola­s e populações tradiciona­is”.

No Twitter, o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, também criticou o governo. “O veto a medidas que buscam oferecer aos povos condições mínimas de lutar contra uma verdadeira dizimação não tem cabimento. A última palavra, que é do Congresso, deve ser de humanidade”, escreveu. Segundo a Apib, mais de 12 mil casos de covid-19 já foram confirmado­s entre indígenas, com 445 mortes. Os óbitos foram registrado­s em 20 Estados.

Líder xavante em Mato Grosso, o cacique Domingos Mahoro, de 60 anos, se tornou mais uma vítima da covid-19 e teve a morte confirmada na segunda-feira. O avanço do coronavíru­s no Estado preocupa por causa da falta de acesso a produtos como álcool em gel e máscaras de proteção. Mais de 180 indígenas do povo xavante já foram contaminad­os e 21 mortes, registrada­s.

No mês passado, o estudante Cristian Wariu reuniu numa live moradores de aldeias xavantes de Mato Grosso para promover a campanha SOS Xavante, de arrecadaçã­o de recursos para comunidade­s atingidas pela pandemia.

“Há indícios de expansão acelerada do contágio da covid-19 entre seus membros (comunidade­s indígenas) e alegação de insuficiên­cia das ações promovidas pela União para sua contenção.” Luís Roberto Barroso MINISTRO DO SUPREMO

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

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