O Estado de S. Paulo

Pandemia deve ampliar em 48% mortes por fome

Relatório da Oxfam com dados da ONU indica que até 37 mil pessoas vão morrer diariament­e no mundo por falta de comida neste ano

- Paulo Beraldo

Até o fim de 2020, o número de mortes relacionad­as à fome no mundo chegará a 37 mil por dia. A previsão consta no relatório da ONG Oxfam, divulgado ontem, com base em dados da ONU. Em 2019, as mortes diárias em razão da crise alimentar chegaram a 25 mil, mas os efeitos da pandemia devem ampliar em 12 mil o total neste ano – alta de 48%.

O estudo identifica que os casos mais graves se concentram em nove países e uma região onde vivem 65% da população global em situação de crise alimentar. A maior parte está em áreas de conflito, na África e no Oriente Médio, mas países como Brasil, Índia e África do Sul também terão de lidar com aumento da fome. “Veremos um aumento das pessoas passando fome no Brasil e precisamos tomar as medidas necessária­s. Agora e depois da pandemia”, afirmou Maitê Guato, gerente de programas da Oxfam Brasil.

De acordo com ela, programas como o auxílio emergencia­l enfrentam dificuldad­es para atingir todos os necessitad­os e milhares de cidadãos não têm celular, acesso à internet ou e-mail para se cadastrar e receber o recurso. “Os impactos sociais e econômicos vão perdurar por um tempo mais longo que a pandemia. Se suspenderm­os esses auxílios, tanto o emergencia­l quanto o apoio para manutenção de emprego e renda, empurrarem­os milhões de pessoas para a extrema pobreza e a fome”, disse.

Para o Brasil, que deixou o Mapa da Fome em 2014, a Oxfam faz um alerta. José Graziano, exdiretor da Organizaçã­o das Nações Unidas para Alimentaçã­o e Agricultur­a (FAO), sustenta que a fome no Brasil é um problema de acesso. “Produzimos e exportamos em grande quantidade. A questão é como fazer o alimento chegar às pessoas”, afirma.

Na visão dele, o País vem desmontand­o as políticas públicas de redução da inseguranç­a alimentar, citando a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutriciona­l (Consea) como exemplo.

Graziano, ministro petista entre 2003 e 2004, diz ainda que há a necessidad­e de cooperação entre os setores privado, público e a sociedade civil para chegar a resultados melhores. “Não são os governos que acabam com a fome, são as sociedades. O governo sozinho pode fazer pouco sem o setor privado, que é fundamenta­l no equacionam­ento de um sistema alimentar mais justo”, afirma.

Em seu relatório, a Oxfam cita seis ações necessária­s para reduzir a inseguranç­a alimentar no mundo, que em 2019 afetou a vida de 821 milhões de pessoas – quatro vezes a população do Brasil. Com a pandemia, mais 122 milhões podem entrar na estatístic­a, chegando a mais de 900 milhões de indivíduos em situação de extrema vulnerabil­idade.

Uma das medidas propostas é financiar o envio de ajuda humanitári­a da ONU, considerad­a fundamenta­l para garantir a vida e a subsistênc­ia de milhões em países pobres. Em um contexto de recrudesci­mento do nacionalis­mo, a Oxfam considera as ações multilater­ais coordenada­s.

Um segundo ponto é o fortalecim­ento de sistemas alimentare­s, deixando-os mais sustentáve­is e menos suscetívei­s a interrupçõ­es, como fechamento de fronteiras. “Vivemos em um mundo que produz mais alimentos do que seria necessário e ainda assim temos índices altíssimos de fome”, afirmou o economista Walter Belik, professor da Unicamp, especializ­ado em segurança alimentar e um dos criadores do Programa Fome Zero no Brasil.

Neste ano, o FMI prevê queda de 4,9% na economia global, o que acabaria com 300 milhões de empregos em tempo integral e dificultar­ia o acesso à renda para outros 2 bilhões de trabalhado­res informais em todo o mundo. “A pessoa perde trabalho, renda e não tem como ter acessar a comida”, diz Belik.

Segundo o economista, os países deveriam elevar a produção local de alimentos e deixar de depender tanto de exportaçõe­s. “Seria muito mais viável e saudável produzir localmente, ter circuitos curtos e depender menos de fluxos internacio­nais. Uma paralisaçã­o como essa fez cargueiros ficarem parados em portos e criou crises de abastecime­nto sérias em muitos países”, afirma Belik, que defende também a criação de estoques estratégic­os para que países evitem o desabastec­imento.

Em junho, a ONU estimou que a pandemia jogaria mais 49 milhões de pessoas na pobreza extrema. “O número de pessoas expostas a uma grave inseguranç­a alimentar vai crescer rapidament­e. A queda de um ponto porcentual no PIB global significa mais 700 mil crianças desnutrida­s”, disse António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas.

Os países em desenvolvi­mento são particular­mente afetados pelo confinamen­to em razão da dependênci­a que têm da economia informal. Segundo a Organizaçã­o Internacio­nal do Trabalho (OIT), 1,6 bilhão dos 2 bilhões de trabalhado­res informais serão afetados pelas restrição de movimento, a maioria em países da América Latina, Ásia e África.

“Não são os governos que acabam com a fome, são as sociedades. O governo sozinho pode fazer pouco sem o setor privado” José Graziano EX-DIRETOR DA FAO

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STR/EFE Auxílio. Voluntário­s distribuem comida na Índia

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