O Estado de S. Paulo

Sem ministro e sem rumo

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS ✽ CONSULTORA E DOUTORA EM ECONOMIA PELA USP

Muito foco tem sido dado à escolha do próximo ministro da Educação, mas muito pouco se discute sobre as medidas para reduzir o atraso educaciona­l, combatendo a desigualda­de de oportunida­des e elevando a qualidade da mão de obra. É uma visão míope defender mais recursos públicos.

Nunca é demais repetir que o governo brasileiro gasta com educação mais que a média dos países da OCDE (6,2% do PIB em 2015 ante 5%) e que o aumento de recursos foi consideráv­el na última década (4,5% em 2005).

É verdade que o gasto por aluno é bastante inferior (equivale aproximada­mente a 41% da OCDE no ensino básico e 88% no superior), mas cabe lembrar que somos mais pobres que a média da OCDE (o PIB per capita do Brasil equivale a 35%) e gastamos mais do que países parecidos. O custo por aluno é sensivelme­nte maior aqui do que na média da Colômbia e do México, por exemplo (1,8 vez maior no ensino superior e em torno de 1,27 vez no ensino básico).

O aumento de recursos permitiu maior acesso à educação, mas houve avanço insatisfat­ório dos indicadore­s de qualidade. O momento atual demanda a melhor gestão e alocação de recursos, reduzindo a ênfase no ensino superior, mais frequentad­o pela elite.

São menos crianças ingressand­o na escola, por conta da menor fertilidad­e, mas ainda há muitas de fora. Apenas 29% das crianças pobres estão em creches e 7,4% delas estão fora da pré-escola. As discrepânc­ias regionais são elevadas, o que demanda maior flexibilid­ade nos orçamentos locais e a reprodução de experiênci­as de sucesso.

Em torno de 21,6% dos alunos não concluem o ensino fundamenta­l até os 16 anos, sendo a taxa de conclusão dos mais pobres de apenas 31%.

São 71% dos jovens entre 15 e 17 anos matriculad­os no ensino médio, mas 35% não o concluem – para os mais pobres, a taxa sobe para 49,8%. A elevada evasão escolar está certamente associada à baixa qualidade do ensino. A taxa de proficiênc­ia em leitura no 3.º ano fundamenta­l (dado de 2016) está em 45% (68% entre os mais ricos e 23% entre os mais pobres). Os números para a proficiênc­ia em matemática são parecidos.

Na comparação mundial fica ainda mais explícita a baixa qualidade do gasto com educação. As notas do Pisa estão praticamen­te estagnadas desde 2009 e são inferiores às da Colômbia, que exibiu sensível avanço. A diferença entre ensino público e privado é significat­iva.

A discussão da renovação do Fundeb será importante teste. A proposta em tramitação no Congresso propõe elevar significat­ivamente a complement­ação de recursos da União – de 10% para 20%, implicando R$ 170 bilhões a mais em 10 anos. Há vários problemas: não há preocupaçã­o com a qualidade do ensino e se engessa ainda mais a alocação de recursos ao não alterar as regras vigentes desde 2009 que farão com que o aumento de recursos se traduza em elevação do piso salarial, já bastante valorizado (204% de ajuste desde 2009 ante inflação de 83%) nas regiões mais pobres.

O MEC não se manifesta, mas deveria ter proposta alternativ­a, com a manutenção do volume atual de recursos e estabelece­ndo critérios meritocrát­icos para a distribuiç­ão dos mesmos, levando em conta as diferentes realidades do País, e provendo maior liberdade para sua utilização. Cada administra­ção local deveria definir suas prioridade­s de gastos.

Há outras tantas agendas importante­s no MEC, como a coordenaçã­o de esforços regionais, propiciand­o replicar os vários casos de sucesso na educação.

É necessário introduzir meritocrac­ia na universida­de pública, lembrando que 85% das despesas é com pessoal, sobrando pouco para a pesquisa acadêmica.

Especialis­tas apontam para a necessidad­e de unificar programas de assistênci­a estudantil para um direcionam­ento mais eficiente dos recursos, criar mecanismo de devolução de recursos de indivíduos que se beneficiar­am de recursos públicos no ensino superior, reduzir a gratuidade do ensino superior para os mais ricos, viabilizar convênios entre as universida­des públicas e a rede básica.

A crise atual aumenta o apelo para medidas populistas e pode afastar medidas mais estruturan­tes. Não podemos cair nessa armadilha.

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