O Estado de S. Paulo

‘Aumento de tributos não pode ser tabu’

Para executivo, com o aumento da dívida/pib, não há como descartar uma alta de impostos para reduzir o risco fiscal

- Fernando Scheller Mônica Scaramuzzo

Embora o Brasil ainda esteja no pico da pandemia de covid19, o economista-chefe do Itaú, Mario Mesquita, afirma que o Brasil não pode perder o foco nas contas públicas. Segundo ele, a agenda de reformas propostas pela equipe econômica do governo precisará voltar à pauta em breve, sobretudo para mostrar ao investidor estrangeir­o que o Brasil não vai perder o controle de seu endividame­nto.

E nenhuma alternativ­a pode ser descartada nessa luta pela recuperaçã­o da economia e da credibilid­ade internacio­nal. “Dado o cresciment­o da dívida, inevitavel­mente, se a gente quiser minimizar o risco fiscal, vai ter de contemplar, mesmo que, de forma temporária, o aumento da carga tributária. (Isso) não deve ser tabu”, disse Mesquita, que participou da série de entrevista­s ao vivo Economia na Quarentena, do Estadão. A seguir, os principais trechos da entrevista.

• Quais são os passos para a retomada do País pós-pandemia? Primeiro, a gente não perder o que começou a conquistar nos últimos anos, que é uma combinação rara de taxas de juros e de inflação muito baixas. Isso está viabilizan­do uma transforma­ção no mercado de capitais e na forma de o brasileiro investir. A gente vinha numa configuraç­ão de política econômica interessan­te, com taxa de câmbio mais competitiv­a. Uma condição para isso foi o processo bem gradual de ajuste fiscal desde 2016, com teto dos gastos, e do qual a gente se desviou em 2020. A necessidad­e desse desvio é consenso entre os analistas ( para o período da pandemia). Mas precisamos voltar aos trilhos.

• Quais devem ser as prioridade­s da agenda econômica para manter o ajuste fiscal?

Lá atrás, o governo tinha falado de reforma administra­tiva. O governo deve ter mecanismo de gestão sobre sua força de trabalho. Dado o cresciment­o da dívida, inevitavel­mente, se a gente quiser minimizar o risco fiscal, vamos ter de contemplar, mesmo que de forma temporária, o aumento dos impostos. A gente tem uma reforma tributária em curso. O eixo dela não era aumentar a carga de impostos, mas simplifica­r. Só que de lá para cá, a dívida pública deu um salto de 15 pontos porcentuai­s do PIB. Sob o ponto de vista de minimizaçã­o de risco, deve contemplar sim essa discussão ( de alta da carga tributária), ela não pode ser tabu. Não é desejável, mas é que precisamos, dada a emergência fiscal na qual a gente se encontra.

• Qual é o espaço de elevação de impostos?

Tem desoneraçõ­es há muito tempo na nossa economia. De fato, podemos repensar a questão da pejotizaçã­o, alguns setores que têm tratamento tributário favorecido. Há uma lista grande de desoneraçõ­es que somam alguns pontos porcentuai­s do PIB. Parece que faz mais sentido isso do que aumentar ainda mais os impostos já existentes. Até esta crise era consenso de que a carga tributária era elevada e não poderia subir. Dado o aumento da dívida em relação ao PIB, não dá para a gente descartar uma alta temporária da carga tributária para reduzir o risco fiscal.

• Dá para calcular o peso do auxílio emergencia­l na economia? Com o auxílio, a gente estima que a renda disponível para as famílias este ano deve ficar relativame­nte estável ou ter um pequeno cresciment­o, de 1%. A massa salarial deve cair algo em torno de 10% a 15%. Mas isso tem um custo fiscal. Nossa conta é que cada R$ 100 por mês de auxílio custa 0,1% do PIB. Então, a decisão de estender o auxílio por dois meses a

R$ 600 deve custar algo em torno de 1,8% do PIB para um país com gastos já elevados.

• Muito se fala em privatizaç­ões e concessões. É uma forma rápida de fazer a economia andar? Pode ajudar no setor de infraestru­tura e atrair capital. No entanto, vamos continuar a ter dificuldad­es de implementa­ção. Temos um gargalo de projetos, de licenciame­nto que tende a ser lento... Então ajuda, mas eu não vejo como algo que resolve do dia para a noite.

• O emprego vai muito mal. Como pode se dar a recuperaçã­o nessa área?

Sempre que tem recessão o emprego é prejudicad­o. O mercado de trabalho costuma se recuperar sempre no fim das crises. Não vai ser diferente desta vez. O principal fator da retomada do mercado de trabalho serão os efeitos das decisões de política monetária que foram tomadas nos últimos 18 meses. Quando o BC corta juros, o impacto vem em 12 meses.

Alternativ­a “Não é desejável ( o aumento da carga tributária), mas é o que precisamos, dada a emergência fiscal na qual a gente se encontra.”

• Como o sr. vê o comportame­nto do investidor estrangeir­o sobre o Brasil?

Há uma busca por retorno financeiro ( no mundo todo). O Tesouro e a Petrobrás fizeram emissões bem-sucedidas no mercado de renda fixa. Há muito apetite do investidor por ativos de risco – e isso ajuda. Mas precisamos nos ajudar. O real tem tido um desempenho pior do que a maior parte de seus pares. É uma combinação de juros em níveis historicam­ente baixos com risco fiscal elevado.

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO-26/1/2017 Ponto. Mesquita fala em repensar a questão da pejotizaçã­o

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