O Estado de S. Paulo

Governo trava repasse de R$ 33 milhões para Amazônia

Recursos foram doados pela Noruega e Alemanha para o Ibama combater incêndios e Força Nacional ampliar ações de fiscalizaç­ão

- André Borges / BRASÍLIA

O Brasil recebeu mais de R$ 33 milhões por meio do Fundo Amazônia, financiado por Alemanha e Noruega, mas não usa a quantia. Engavetado no BNDES, o dinheiro deveria ir para combate a incêndios pelo Ibama e aumento da fiscalizaç­ão pelo Ministério da Justiça. Procurado, o Ministério do Meio Ambiente atribuiu a responsabi­lidade sobre o fundo à VicePresid­ência.

Alvo de críticas generaliza­das por causa do avanço recorde do desmatamen­to na Amazônia, o governo tem deixado de usar recursos milionário­s já doados por outros países justamente para combater os crimes na floresta. Mais de R$ 33 milhões já repassados ao Brasil por meio do Fundo Amazônia, programa financiado com dinheiro da Noruega e Alemanha, estão disponívei­s para duas ações, uma de combate a incêndios pelo Ibama e outra para que o Ministério da Justiça amplie o trabalho de fiscalizaç­ão na floresta pela Força Nacional.

Esses recursos, porém, estão engavetado­s no BNDES. O Ibama não acessa o dinheiro há mais de dois anos. No caso da Força Nacional, o único saque ocorreu três anos e meio atrás.

No governo Michel Temer, uma parcela ínfima dos recursos chegou a ser usada, mas passou a enfrentar lentidão . Com o presidente Jair Bolsonaro, que o sucedeu, parou de vez. Maior programa de financiame­nto do País voltado a ações contra o desmatamen­to, o Fundo Amazônia travou um ano atrás, quando o ministro do Meio Ambiente e Bolsonaro passaram a disparar críticas e dúvidas sobre a iniciativa, sob acusações de que seus mais de 100 projetos ambientais, estimados em R$ 1,860 bilhão, serviriam para financiar organizaçõ­es socioambie­ntais, em vez de protegerem a floresta. O caso redundou no fim do Comitê Técnico do Fundo Amazônia, que analisava os programas a serem financiado­s, em trocas de comandos no BNDES e em uma crise diplomátic­a com os países europeus, impossibil­itando a possibilid­ade de renovação do fundo, o que já estava em discussão.

Como os dados mostram, porém, o próprio governo teve ações interrompi­das, e organizaçõ­es socioambie­ntais. O Ministério da Justiça havia firmado, em 2015, um acordo para receber mais de R$ 30,6 milhões do Fundo Amazônia, para estruturar a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional, que atuaria diretament­e no apoio a ações na floresta. O dinheiro foi integralme­nte repassado pelos países doadores ao BNDES, que atua apenas como um operador do recurso, mas apenas R$ 855 mil foi efetivamen­te usado. O Fundo Amazônia informa que o recurso de quase R$ 30 milhões segue disponível, mas nada ocorreu desde então.

No caso do Ibama, o órgão chegou a utilizar R$ 14,7 milhões de um programa firmado com o fundo para melhorar sua estrutura do Prevfogo, divisão que atua diretament­e no combate a incêndios que devastam a Amazônia nesta época do ano. O órgão ligado ao MMA chegou a sacar um total de R$ 11,7 milhões desse recurso entre julho de 2014 e maio de 2018, com desembolso­s ocorridos em todos os anos desse intervalo. De 2018 para cá, no entanto, mais nada ocorreu.

Pelas regras do fundo, o Brasil tem independên­cia para escolher os programas que são apoiados pelos recursos. Essas iniciativa­s, porém, são monitorada­s pelos doadores, assim como as taxas de desmatamen­to do País. O compromiss­o é que o

Brasil apresente um desmatamen­to anual inferior à taxa de 8.143 km² por ano na região, para ter acesso aos recursos. Se superar essa marca, fica impedido de utilizá-los.

Na prática, hoje é impossível renovar o programa, porque o próprio Comitê Técnico do Fundo Amazônia, que analisa os dados de desmatamen­to, foi dissolvido por Ricardo Salles. Mesmo que esse comitê existisse, os dados do desmatamen­to apontam que sua renovação, ao menos pela regras atuais, estaria inviabiliz­ada.

O Inpe mede o desmatamen­to verificado entre agosto e julho do ano seguinte. Os alertas mais recentes divulgados pelo órgão – com dados atualizado­s até 18 de junho, portanto, ainda parciais – mostram que já foram desmatados 7.115 km² de

floresta na temporada agosto de 2019 a julho/2020, quase cinco vezes o tamanho da capital de São Paulo. Embora o ciclo ainda não tenha se fechado, faltando 43 dias para a contabiliz­ação final, ele já supera o verificado no ano passado, quando os alertas do Deter registrara­m

6.844 km².

O Ministério da Justiça foi questionad­o sobre as razões da paralisaçã­o em seu programa voltado ao incremento da Força Nacional e como isso o afetava. Por meio de nota, informou apenas que “a continuida­de do contrato ainda está em apreciação no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública”.

O Estadão também questionou o Ibama sobre a não utilização de recursos do programa. O órgão, então, pediu para que a reportagem procurasse o Ministério do Meio Ambiente, que também disse não ter mais responsabi­lidade sobre o Fundo Amazônia e que era a vice-presidênci­a da República de Hamilton Mourão que deveria se posicionar sobre o assunto. Não houve resposta até o fechamento desta reportagem.

O BNDES informou que o aporte de recursos no projeto do Ibama “é realizado de forma parcelada de acordo com o ritmo de execução” e que há “previsão de liberação da última parcela de recursos”, embora não tenha informado uma data. Sobre a Força Nacional, o banco declarou que “está em contato com o Ministério da Justiça para a retomada do projeto”.

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GABRIELA BILO / ESTADÃO-27/8/2019 Floresta. Dinheiro para combater incêndios na região amazônica está parado no BNDES

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