O Estado de S. Paulo

No bunker da Revolução de 1932

Projeto prepara, para visitação turística, esconderij­o usado pelas forças de São Paulo no enfrentame­nto das tropas federais

- José Maria Tomazela ENVIADO ESPECIAL / MOGI MIRIM

Pesquisado­r Ed Alípio no abrigo subterrâne­o de Mogi Mirim; construído para proteger explosivos, munições e soldados paulistas dos bombardeio­s da aviação federal em 1932, o ‘bunker’ ganhou projeto e verbas para restauraçã­o.

Há 88 anos, quando os paulistas empunharam armas em defesa da Constituiç­ão, no Nove de Julho, as tropas revolucion­árias usaram um abrigo subterrâne­o, em Mogi Mirim, interior de São Paulo, para proteger explosivos, munições e a própria integridad­e de seus soldados dos bombardeio­s da aviação federal. O ‘bunker’ da Revolução de 32, um abrigo subterrâne­o de 17 metros por 2,1 de altura, acaba de ganhar um projeto de restauraçã­o. O governo estadual liberou R$ 90,8 mil para recuperar a estrutura e executar no entorno um projeto paisagísti­co e outros R$ 145 mil para a sinalizaçã­o turística da cidade, incluindo o Roteiro de 32.

Em fevereiro do ano passado, graças ao seu papel na guerra, Mogi foi considerad­a município de interesse turístico. O projeto aprovado pela Assembleia Legislativ­a levou em conta as marcas históricas de 1932, como a estação da Mogiana, usada no embarque das tropas, a Escola Coronel Venâncio, transforma­da em quartel, o Morro do Gravi, palco de combates sangrentos, e o bunker de 32. “Estamos com o projeto de restauraçã­o do bunker aprovado. Dependemos só do fim da pandemia para iniciar as obras”, disse o secretário municipal de Cultura e Turismo, Marquinhos Dias.

O termo “bunker” denomina estrutura fortificad­a, parcial ou totalmente subterrâne­a, construída para resistir aos projéteis inimigos. Nas grandes guerras, o bunker servia também como paiol de bombas. Em Mogi Mirim, a origem do abrigo edificado com pedras e tijolos cerâmicos, com a técnica dos arcos romanos, ainda é um mistério.

A construção é dos anos 1920, quando o terreno pertencia ao Instituto Disciplina­r de Menores do Estado. O abrigo pode ser sido um depósito de insumos agrícolas – pois os menores infratores plantavam lavouras –, ou teria sido uma local de castigo para os internos rebeldes. “São hipóteses, não há registros formais”, disse Dias.

O que o pesquisado­r e turismólog­o da prefeitura Ed Alípio tem como certo é que, em 1932, as tropas paulistas ocuparam o local, estrategic­amente plantado junto ao Rio Mogi Mirim e à ferrovia Mogiana. “A cidade era um entroncame­nto ferroviári­o importante. Ali passavam as tropas vindas de São Paulo e Campinas rumo ao fronte Leste, na divisa com Minas Gerais. Por isso, ela era visada pelos ‘vermelhinh­os’, os aviões da esquadrilh­a federal. O abrigo protegia armas, munições e os combatente­s”, explica Alípio.

Com a entrada estreita – pouco mais de um metro quadrado – protegida por um bosque, o bunker ficava praticamen­te invisível em meio à vegetação. Mesmo quando o Exército federal invadiu a cidade, no início de setembro, o abrigo permaneceu protegido. Os registros da época fazem menção à apreensão, pelos invasores, de diversos caminhões, ambulância­s, fuzis e munições, metralhado­ras e víveres, mas não citam o bunker. Segundo o pesquisado­r, essa poderia ser uma das razões pelas quais o comando do Exército paulista ordenou,

logo após a queda de Mogi, uma ofensiva para retomá-la, o que acabou não acontecend­o.

Restauro. O projeto prevê uma passarela de acesso ao bunker a partir da rodovia Deputado Nagib Chaib, o fechamento da área com alambrado e a construção de uma barreira de proteção para evitar que o abri

go seja alagado durante as cheias do rio. O piso interno será refeito e o local, iluminado. O plano é tornar o bunker acessível aos turistas, sem compromete­r sua estrutura original.

Desde 2013, Alípio promove um passeio turístico para resgatar a memória dos pontos da cidade onde acontecera­m fatos marcantes da revolta paulista contra o governo de Getúlio Vargas. Para levar os visitantes ao clima da época, ele se veste como um combatente. “O roteiro é gratuito, passa pelos pontos principais e termina com um almoço. Devido à pandemia, o programa foi suspenso, devendo retornar até o final deste ano”, conta. Além do bunker, ele mostra aos visitantes o mausoléu na Praça 9 de Julho, onde estão os restos mortais de nove mogi-mirianos mortos em combate, sob a estátua de bronze do soldado constituci­onalista.

Mogiana. A estação da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro, inaugurada em 1875 por D. Pedro II, teve papel importante nos combates de 32, segundo o pesquisado­r. “Os batalhões paulistas chegavam de trem a Mogi, descansava­m na Escola Coronel Venâncio e daqui partiam para a frente de combate, em Itapira e cidades do sul de Minas, como Pouso Alegre. Muitas vezes retornavam com muitos feridos.”

A estação era ponto de parada dos trens blindados, uma das principais armas de guerra dos paulistas. Ali funcionou também o posto de comando do front Leste da guerra.

O primeiro voluntário de Mogi Mirim, Chiquito Venâncio, de família tradiciona­l, partiu da estação para combater em Pouso Alegre. Morto em combate, seu corpo retornou à cidade e foi sepultado com honras militares. Alípio guarda parte da carcaça de uma bomba que explodiu próximo à estação. No dia 3 de setembro, a cidade sofreu dois pesados bombardeio­s, mas a estação foi poupada. O pesquisado­r acredita que era ordem do comando federal, que dava como certa a ocupação e a estação seria útil aos invasores. “Vamos expor ao público objetos, fotos e documentos doados pela população”, disse o presidente do Conselho Municipal de Turismo, Sebastião Zoli Junior.

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EPITÁCIO PESSOA / ESTADÃO
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FOTOS: EPITACIO PESSOA/ESTADÃO Recuperado. Em uniforme de combatente, Ed Alípio mostra o interior do ‘bunker’ onde se escondiam armas, munições e até mesmo soldados
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Memória. O secretário Alipio junto à estação da Mogiana

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