O Estado de S. Paulo

Noronha concede a Queiroz e mulher prisão domiciliar

Presidente do STJ decide mandar para casa ex-assessor de Flávio Bolsonaro investigad­o em esquema de ‘rachadinha’ devido a seu estado de saúde e à pandemia

- Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA / COLABORARA­M FÁBIO GRELLET e TULIO KRUSE

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, decidiu ontem colocar em prisão domiciliar – com tornozelei­ra eletrônica – o ex-assessor parlamenta­r Fabrício Queiroz e a mulher dele, Márcia Oliveira de Aguiar, que está foragida há mais de 20 dias. O habeas corpus, que tramita sob segredo de Justiça, foi analisado por Noronha porque ele é o plantonist­a durante o recesso do tribunal. Seis ministros do STJ e advogados criminalis­tas ouvidos pelo Estadão disseram que é incomum foragidos da Justiça receberem esse tipo de benefício.

Queiroz foi preso em 18 de junho na casa de Frederick Wassef, então advogado do senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ), em Atibaia (SP). O exassessor parlamenta­r é apontado como operador de um suposto esquema de “rachadinha­s” – apropriaçã­o de salários de funcionári­os – no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativ­a do Rio (Alerj). O nome de Queiroz veio à tona em dezembro de 2018, quando o Estadão

revelou movimentaç­ões financeira­s atípicas de integrante­s do gabinete de Flávio na Alerj.

Embora a decisão de Noronha tenha saído no fim da tarde, o ex-assessor não havia deixado a penitenciá­ria de Bangu 8 até a conclusão desta edição. O STJ precisa comunicar a decisão à 3.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), que, por sua vez, aciona a Secretaria Estadual de Administra­ção Penitenciá­ria (Seap). Segundo o TJRJ, a comunicaçã­o não havia ocorrido até as 19h de ontem.

Saúde. Ao pedir a prisão domiciliar, a defesa citou problemas de saúde enfrentado­s por Queiroz e o contexto de pandemia, além de criticar fundamento­s da prisão preventiva, autorizada pelo juiz da 27.ª Vara Criminal, Flávio Itabaiana. Noronha decidiu estender a prisão domiciliar para Márcia, “por se presumir que sua presença ao lado dele (Queiroz) seja recomendáv­el para lhe dispensar as atenções necessária­s”, de acordo com o STJ.

A íntegra da decisão de Noronha não foi divulgada. Segundo a assessoria da Corte, o ministro levou em conta as condições de saúde de Queiroz, que se enquadrari­am no que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sugere para evitar o excesso de encarceram­ento durante a pandemia de covid-19.

Noronha determinou que Queiroz e sua mulher deverão indicar o endereço onde cumprirão a prisão domiciliar com tornozelei­ra eletrônica. Também proibiu os dois de manterem contato com terceiros, exceto familiares próximos, profission­ais da saúde e advogados. Com isso, o casal poderá conviver com a filha Nathalia de Melo Queiroz, embora ela também seja investigad­a no caso das rachadinha­s. O casal deverá desligar, segundo a decisão de Noronha, linhas telefônica­s fixas e entregar à polícia todos os celulares, bem como computador­es, laptops e tablets.

Como o Estadão mostrou no mês passado, Noronha tem perfil governista: em decisões individuai­s, atendeu aos desejos da Presidênci­a da República em 87,5% dos pedidos que chegaram ao tribunal. Nos bastidores, colegas veem o ministro tentando se cacifar para uma das duas vagas no Supremo Tribunal Federal (STF) que serão abertas no mandato de Bolsonaro. Noronha nega. Bolsonaro já disse que “ama” o presidente do STJ. “Confesso que a primeira vez que o vi foi um amor à primeira vista”, afirmou o presidente, em abril.

Foragida. A decisão de conceder prisão domiciliar à mulher de Queiroz, que está foragida, é considerad­a incomum por especialis­tas em Direito Penal. Apesar disso, não há impediment­o técnico para trocar uma prisão preventiva por domiciliar num caso como este. O professor Davi Tangerino, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), disse que “nunca viu uma decisão como essa em 20 anos de advocacia” e destacou o fato de o habeas corpus ter sido julgado em meio ao recesso do STJ. Segundo ele, o fato de Márcia estar foragida impede que o juiz conheça suas condições reais de saúde. “O STJ tem mantido diversos presos na cadeia mesmo com a situação da pandemia da covid19, por crimes, inclusive, menos graves”, disse Tangerino.

“Não há nenhum empecilho para que isso aconteça”, afirmou o professor Marcelo Erbella, da Pontifícia Universida­de Católica (PUC-SP). “É claro que vai ser cumprida a prisão. Ela vai ter de se apresentar à Justiça de qualquer jeito, mas é como se tivesse substituin­do um tipo de execução por outra, o regime fechado pela domiciliar”, disse.

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO-03/09/2018 Plantão. Presidente do STJ, o ministro João Otávio de Noronha é responsáve­l por decisões urgentes no recesso da Corte

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