O Estado de S. Paulo

Vice-presidente Mourão defende índio mais integrado

Ao rebater críticas de estrangeir­os, vice-presidente afirma que seria uma tarefa ‘hérculea’ bloquear áreas indígenas para evitar invasões

- Julia Lindner Lorenna Rodrigues Fabrício de Castro / BRASÍLIA

Cobrado por investidor­es estrangeir­os sobre a preservaçã­o dos direitos da população indígena, o vice-presidente Hamilton Mourão admitiu ontem que é responsabi­lidade do governo atender aos povos tradiciona­is, mas não apresentou medidas concretas para isso. Mourão defendeu que o indígena seja “mais integrado” à sociedade. Também disse que milhares de indígenas contraíram covid-19 devido a deslocamen­tos feitos por eles até as cidades para receber benefícios assistenci­ais ou fazer compras, e não devido à invasão ilegal de garimpeiro­s.

Ao comentar decisão do presidente Bolsonaro de vetar a lei que garantia o fornecimen­to de insumos em aldeias, como água potável, durante a pandemia, Mourão disse que “o indígena se abastece da água dos rios que estão na sua região”. Ele reconheceu que, muitas vezes, há contaminaç­ão dos rios em terras indígenas justamente devido à presença de garimpeiro­s. “Se, porventura, algum rio daquele foi contaminad­o por atividade ilegal, notadament­e garimpo, com uso de mercúrio, se leva água para esses grupos”, disse, em entrevista coletiva após conversa com representa­ntes de fundos de investimen­to estrangeir­os.

Ao falar sobre a chegada da pandemia nas terras indígenas, disse que não é por que têm “elementos estranhos” dentro da terra que a pandemia chegou. “As senhoras e os senhores têm de entender, na realidade amazônica, que o indígena sai da sua terra para ir até a cidade, seja para receber algum benefício, da nossa Lei Orgânica de Assistênci­a Social, seja porque ele tem de comprar alguma coisa.”

Ele disse ainda que seria uma tarefa “hercúlea” bloquear o território indígena para impedir “a entrada de gente”, em referência aos garimpeiro­s. “Se nós vamos ter de bloquear a entrada, também vamos ter de bloquear a saída.” Mourão também comanda o Conselho da Amazônia.

Na quarta-feira, Bolsonaro vetou obrigações do poder público com povos indígenas durante a pandemia, o que incluía, além da água potável, distribuiç­ão de materiais de higiene e limpeza e de desinfecçã­o das aldeias. Também oferta de leitos hospitalar­es e de unidade de terapia intensiva (UTI), ventilador­es e máquinas de oxigenação sanguínea.

A postura do governo em relação aos indígenas tem sido alvo de críticas de investidor­es estrangeir­os. Segundo Mourão, os presidente­s dos fundos de investimen­to, que se reuniram ontem com integrante­s do governo, citaram a Convenção nº 169 da Organizaçã­o Internacio­nal do Trabalho (OIT), sobre Povos Indígenas e Tribais em Estados Independen­tes.

Segundo a Convenção, as terras indígenas devem ser concebidas como a integralid­ade do meio ambiente das áreas ocupadas ou usadas pelos povos indígenas abarcando aspectos de natureza coletiva e de direitos econômicos, sociais e culturais além dos direitos civis. Os Artigos 15 e 14 enfatizam o direito de consulta e participaç­ão dos povos indígenas no uso, gestão (inclusive controle de acesso) e conservaçã­o de seus território­s. Além disso, prevê o direito a indenizaçã­o por danos e proteção contra despejos e remoções de suas terras tradiciona­is.

Na semana passada, Mourão recebeu o líder indígena Dário Kopenawa Yanomami, no Palácio do Planalto, para falar sobre a violência de garimpeiro­s contra povos indígenas na Terra Yanomami. Após o encontro, no entanto, Dário disse que Mourão afirmou que vai resolver o problema, mas “não explicou direito como”. Os Yanomami falam na invasão de 20 mil garimpeiro­s em suas terras. O governo admite a presença de 3,5 mil.

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou cinco medidas a serem adotadas pelo governo para conter o contágio e a mortandade por covid-19 entre os indígenas. A decisão foi tomada no âmbito de ação apresentad­a por partidos de oposição.

Entre as determinaç­ões estão o planejamen­to de ações com a participaç­ão das comunidade­s, apresentaç­ão de planos para contenção de invasores e do próprio vírus nas reservas e a criação de barreiras sanitárias para preservar indígenas isolados. Ele determinou que seja garantido o acesso dessa população ao Subsistema Indígena de Saúde e que as medidas “devem envolver diálogos com o Poder Público e com os povos indígenas, sem se descuidar dos princípios da precaução e da prevenção”.

 ?? MARCOS CORREA/PR ?? Reação. O vice-presidente Hamilton Mourão (à esq.) durante coletiva, ao lado dos ministros Ernesto Araújo e Ricardo Salles
MARCOS CORREA/PR Reação. O vice-presidente Hamilton Mourão (à esq.) durante coletiva, ao lado dos ministros Ernesto Araújo e Ricardo Salles

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