O Estado de S. Paulo

O inferno são os outros

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Só depende do governo transforma­r toda a pressão relacionad­a ao meio ambiente em cooperação, mas isso não deve acontecer.

Ogoverno está pressionad­o por todos os lados pela questão ambiental. Governante­s ameaçam bloquear tratados, investidor­es ameaçam boicotes, empresário­s pedem medidas urgentes, cientistas denunciam a degradação do bioma, ex-ministros do Meio Ambiente reprovam o desmonte da pasta e manifestan­tes em todo o mundo acusam o Brasil de se tornar um pária ambiental. O surpreende­nte é que só depende do governo “virar a chave” e catalisar essa energia em cooperação. Mas, a julgar pela reunião do Conselho da Amazônia com investidor­es internacio­nais, isso não acontecerá.

Em coletiva após o encontro, a principal mensagem do líder do Conselho, o vice-presidente Hamilton Mourão, foi que as críticas refletem interesses comerciais e disputas geopolític­as, por causa da força do agronegóci­o. Há algo de verdade nisso. De fato, interessa aos produtores internacio­nais boicotar a agropecuár­ia nacional e manter medidas protecioni­stas; de fato, interessa aos demagogos aliciar eleitores, sobretudo jovens, utilizando o Brasil como bode expiatório. Mas essa é só uma meia-verdade. Os recordes de desmatamen­to comprovam que as críticas têm fundamento. E mesmo a verdade que há nessas alegações é corrompida quando utilizada para camuflar as omissões do governo.

“Os investidor­es estão olhando três coisas”, disse ao Estado Alessandro Zema, presidente do banco Morgan Stanley no Brasil: “As reformas para gerar o cresciment­o, disciplina fiscal e a agenda ambiental”. Mas, se as reformas e a ordem fiscal envolvem difíceis composiçõe­s entre interesses diversos, da agenda ambiental, por mais que domesticam­ente e a longo prazo se espere um plano que equilibre produtivid­ade e preservaçã­o, do ponto de vista internacio­nal e a curto prazo espera-se uma só coisa: frear a devastação predatória e ilegal – ou seja, nada mais que a aplicação da lei. E isso não é o interesse de estrangeir­os. É o interesse dos brasileiro­s desta e das futuras gerações.

A experiênci­a mostra que a ação enérgica do poder público pode reduzir drástica e rapidament­e a devastação. Entre os anos 1990 e 2000, a atuação do Ibama com apoio das Forças Armadas reduziu o desmatamen­to de mais de 15 mil km² por ano para cerca de 5 mil km².

No início do ano, o Conselho da Amazônia foi criado para assumir a competênci­a do Ministério do Meio Ambiente no combate ao desmatamen­to, coordenand­o as Forças Armadas. Além disso, ele deveria, entre outras coisas, negociar com Noruega e Alemanha a reativação do Fundo Amazônia; elaborar com o Ministério da Economia um plano para o desenvolvi­mento da região; e modernizar medidas de proteção aos indígenas.

Mas entre o papel e a realidade vai um abismo. Os recursos do Fundo estão engavetado­s no BNDES, entre outras razões porque o seu Comitê gestor foi dissolvido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles; o plano de “bioeconomi­a” só existe – se existe – na cabeça de Salles; a MP da regulariza­ção fundiária caducou por falta de articulaçã­o no Congresso; às apreensões internacio­nais, a resposta do ministro das Relações Exteriores se resume ao sarcasmo; o presidente vetou obrigações do poder público com os povos indígenas durante a pandemia; e o pior: a atuação das Forças Armadas tem tido implementa­ção confusa – que o digam os fiscais do Ibama.

“Nosso governo dará prosseguim­ento ao diálogo com diferentes interlocut­ores”, disse o presidente Jair Bolsonaro na Cúpula do Mercosul, para “expor ações que temos tomado em favor da proteção da floresta amazônica e do bem-estar das populações indígenas.” Qual diálogo? Quais ações? Como admitiu o vice-presidente, “os resultados que ( os investidor­es) querem ver é a redução do desmatamen­to”. Mas não há como resolver um problema se não se admite a sua existência, e, segundo o presidente, problema não há, apenas “opiniões distorcida­s” a serem desfeitas. Em outras palavras, o governo convocou uma reunião com investidor­es não para admitir – muito menos reparar – os seus erros, mas para acusar os deles. Talvez essa estratégia funcione em algum mundo. Neste, enquanto a mata queima, o capital foge.

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