O inferno são os outros
Só depende do governo transformar toda a pressão relacionada ao meio ambiente em cooperação, mas isso não deve acontecer.
Ogoverno está pressionado por todos os lados pela questão ambiental. Governantes ameaçam bloquear tratados, investidores ameaçam boicotes, empresários pedem medidas urgentes, cientistas denunciam a degradação do bioma, ex-ministros do Meio Ambiente reprovam o desmonte da pasta e manifestantes em todo o mundo acusam o Brasil de se tornar um pária ambiental. O surpreendente é que só depende do governo “virar a chave” e catalisar essa energia em cooperação. Mas, a julgar pela reunião do Conselho da Amazônia com investidores internacionais, isso não acontecerá.
Em coletiva após o encontro, a principal mensagem do líder do Conselho, o vice-presidente Hamilton Mourão, foi que as críticas refletem interesses comerciais e disputas geopolíticas, por causa da força do agronegócio. Há algo de verdade nisso. De fato, interessa aos produtores internacionais boicotar a agropecuária nacional e manter medidas protecionistas; de fato, interessa aos demagogos aliciar eleitores, sobretudo jovens, utilizando o Brasil como bode expiatório. Mas essa é só uma meia-verdade. Os recordes de desmatamento comprovam que as críticas têm fundamento. E mesmo a verdade que há nessas alegações é corrompida quando utilizada para camuflar as omissões do governo.
“Os investidores estão olhando três coisas”, disse ao Estado Alessandro Zema, presidente do banco Morgan Stanley no Brasil: “As reformas para gerar o crescimento, disciplina fiscal e a agenda ambiental”. Mas, se as reformas e a ordem fiscal envolvem difíceis composições entre interesses diversos, da agenda ambiental, por mais que domesticamente e a longo prazo se espere um plano que equilibre produtividade e preservação, do ponto de vista internacional e a curto prazo espera-se uma só coisa: frear a devastação predatória e ilegal – ou seja, nada mais que a aplicação da lei. E isso não é o interesse de estrangeiros. É o interesse dos brasileiros desta e das futuras gerações.
A experiência mostra que a ação enérgica do poder público pode reduzir drástica e rapidamente a devastação. Entre os anos 1990 e 2000, a atuação do Ibama com apoio das Forças Armadas reduziu o desmatamento de mais de 15 mil km² por ano para cerca de 5 mil km².
No início do ano, o Conselho da Amazônia foi criado para assumir a competência do Ministério do Meio Ambiente no combate ao desmatamento, coordenando as Forças Armadas. Além disso, ele deveria, entre outras coisas, negociar com Noruega e Alemanha a reativação do Fundo Amazônia; elaborar com o Ministério da Economia um plano para o desenvolvimento da região; e modernizar medidas de proteção aos indígenas.
Mas entre o papel e a realidade vai um abismo. Os recursos do Fundo estão engavetados no BNDES, entre outras razões porque o seu Comitê gestor foi dissolvido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles; o plano de “bioeconomia” só existe – se existe – na cabeça de Salles; a MP da regularização fundiária caducou por falta de articulação no Congresso; às apreensões internacionais, a resposta do ministro das Relações Exteriores se resume ao sarcasmo; o presidente vetou obrigações do poder público com os povos indígenas durante a pandemia; e o pior: a atuação das Forças Armadas tem tido implementação confusa – que o digam os fiscais do Ibama.
“Nosso governo dará prosseguimento ao diálogo com diferentes interlocutores”, disse o presidente Jair Bolsonaro na Cúpula do Mercosul, para “expor ações que temos tomado em favor da proteção da floresta amazônica e do bem-estar das populações indígenas.” Qual diálogo? Quais ações? Como admitiu o vice-presidente, “os resultados que ( os investidores) querem ver é a redução do desmatamento”. Mas não há como resolver um problema se não se admite a sua existência, e, segundo o presidente, problema não há, apenas “opiniões distorcidas” a serem desfeitas. Em outras palavras, o governo convocou uma reunião com investidores não para admitir – muito menos reparar – os seus erros, mas para acusar os deles. Talvez essa estratégia funcione em algum mundo. Neste, enquanto a mata queima, o capital foge.