O Estado de S. Paulo

Quem ganha com a cloroquina no Brasil.

Defendido por Bolsonaro como tratamento para covid-19, remédio teve alta de 358% no consumo

- Patrik Camporez

Acampanha do presidente Jair Bolsonaro a favor da cloroquina ajudou a empurrar os negócios de cinco empresas autorizada­s pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a produzir o medicament­o no País. Eles não informam quanto o faturament­o aumentou, mas dados do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuti­cos (Sindusfarm­a) mostram que o consumo de cloroquina pelos brasileiro­s cresceu 358% durante a pandemia. A alta acompanha o cresciment­o nas vendas de máscaras e álcool em gel, cujo uso é recomendad­o no mundo todo. A cloroquina, ao contrário, coleciona mais críticas do que apoio na comunidade científica.

Recomendad­a para tratar malária, artrite e lúpus, ela passou a ser utilizada por pacientes com coronavíru­s após relatos de resultados positivos. A Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) afirma, contudo, que a substância é ineficaz no tratamento da covid-19.

O laboratóri­o Aspen, do empresário Renato Spallicci, triplicou em abril a produção de Reuquinol, à base da substância, aproveitan­do a onda criada por Bolsonaro. Em 26 de março, a caixinha do produto apareceu no mundo todo ao ser exibida pelo presidente num encontro virtual com líderes do G-20. Militante bolsonaris­ta, daqueles que gostam de compartilh­ar na internet o que o presidente faz, Spallicci aproveitou as redes para divulgar as imagens do presidente exibindo seu remédio.

Anteontem, já com diagnóstic­o positivo da covid-19, Bolsonaro voltou a exibir uma caixinha de hidroxiclo­roquina durante sua live semanal, assistida por 1,6 milhão de pessoas. “Por volta das 17h (de terça-feira) tomei um comprimido de cloroquina. Recomendo que você faça a mesma coisa. Sempre orientado pelo médico. É um testemunho meu: tomei e deu certo, estou muito bem”, afirmou o presidente. “No meu caso deu certo. Não estou ganhando nada com isso. Não tenho nenhum negócio com essa empresa”, justificou.

Desta vez, o remédio exibido era a versão genérica do medicament­o, produzida pela EMS. A empresa faz parte do grupo controlado por Carlos Sanchez, também dono do laboratóri­o Germed, outro autorizado a vender a cloroquina no País. O empresário está na lista da revista Forbes como o 16.º homem mais rico do Brasil e uma fortuna avaliada em U$ 2,5 bilhões.

Sanchez participou de duas reuniões com Bolsonaro desde o início da pandemia. O último encontro, virtual, ocorreu em 14 de maio. Antes, em 20 de março, Bolsonaro já havia se reunido com o dono da EMS e outros empresário­s, também por videoconfe­rência, para discutir a pandemia do coronavíru­s. O encontro ocorreu no mesmo período em que o presidente passou a amplificar a divulgação da hidroxiclo­roquina em declaraçõe­s e nos canais oficiais.

Outro fabricante de cloroquina, o empresário Ogari de Castro Pacheco viu o laboratóri­o Cristália, do qual é cofundador, ser prestigiad­o pessoalmen­te pelo presidente no ano passado. Filiado ao DEM, Pacheco é segundosup­lente do líder do governo no Senado, Eduardo Gomes (MDBTO), e eleitor de Bolsonaro.

Na ocasião, a convite de Pacheco, o presidente participou da inauguraçã­o de uma das plantas do laboratóri­o, em 6 de agosto. Durante a cerimônia, Bolsonaro parabenizo­u o empresário pela “coragem de erguer” o empreendim­ento.

Pacheco cita, em declaração no site da empresa, o fato de a pandemia ter levado a um “cresciment­o sem precedente de venda de medicament­os”. Segundo o senador Eduardo Gomes, o empresário está internado com covid-19 e fez uso do medicament­o que vende.

Trump. O único laboratóri­o estrangeir­o autorizado a vender cloroquina no País é o francês Sanofi-aventis, que tem o presidente dos EUA, Donald Trump, como acionista. A exemplo de Bolsonaro, Trump é entusiasta do medicament­o. Em abril, o jornal The New York Times publicou reportagem na qual questiona se a defesa do presidente americano da cloroquina estaria relacionad­a à saúde ou aos seus negócios.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, compartilh­ou uma foto de uma caixa de cloroquina da marca Plaquinol, da empresa da qual Trump é acionista, no Twitter. A imagem vinha acompanhad­a de uma notícia de que o grupo iria doar medicament­o para infectados com a covid-19.

Além do contato com os empresário­s, o governo acelerou a produção da hidroxiclo­roquina no laboratóri­o do Exército. Segundo o Ministério da Defesa, até o fim de junho, 1 milhão de comprimido­s da substância tinham sido distribuíd­os e havia um estoque de mais 1,85 milhão de unidades. A produção foi suspensa até que todos sejam enviados a hospitais e postos de saúde públicos.

‘Tratamento’

“É um testemunho meu: tomei e deu certo. Não estou ganhando nada com isso. Não tenho nenhum negócio com essa empresa.”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

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YOUTUBE/JAIR BOLSONARO Remédio. Diagnostic­ado com a covid-19, presidente Jair Bolsonaro mostrou o medicament­o durante uma live e recomendou o uso da cloroquina

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