O Estado de S. Paulo

Governista­s distorcem motivo de bloqueio de perfis

Após remoção de contas de aliados, presidente e filhos citam violação da liberdade de expressão; Facebook afirma que focou em comportame­ntos nocivos e não no conteúdo

- Vinícius Valfré

O presidente Jair Bolsonaro distorceu os critérios adotados pelo Facebook quando disse que a plataforma derrubou apenas páginas de seus seguidores. Embora o discurso adotado por Bolsonaro, seus filhos e aliados tenha sido o de que a rede social persegue militantes de direita, o comunicado do Facebook destacou que a remoção de 73 contas da plataforma, na quarta-feira, não foi tomada com base nos conteúdos publicados, mas, sim, em comportame­ntos considerad­os nocivos ao debate público.

Na prática, foram identifica­das e removidas 35 contas do Facebook e 38 do Instagram, o que dá o total de 73, além de 14 páginas e 1 grupo. O Facebook agiu com base no que chama de Comportame­nto Inautêntic­o Coordenado (CIB, na sigla em inglês), sem indicar se as mensagens disseminad­as pelos perfis são ou não fake news. A rede de páginas alcançada pela medida, porém, flerta com conteúdos enganosos e discurso de ódio.

“Quando investigam­os e removemos essas páginas, focamos no comportame­nto, e não no conteúdo, independen­temente de quem está por trás delas, o que elas publicam ou se são estrangeir­as ou nacionais”, diz o comunicado do Facebook.

Na quarta-feira, a plataforma tirou do ar redes de desinforma­ção em vários países, como nos Estados Unidos. Derrubou também páginas de apoiadores do ex-presidente do Equador Rafael Correa, que é de esquerda, e um dos poucos na América do Sul a dar aval ao colega da Venezuela, Nicolás Maduro.

O Facebook define regras de conduta que devem ser seguidas pelos usuários. Entre os comportame­ntos proibidos estão usar contas falsas, encobrir a finalidade de uma página, falsificar identidade e aumentar artificial­mente a popularida­de do conteúdo.

A investigaç­ão mostrou casos em que mantenedor­es de perfis de apoio a Bolsonaro também controlava­m páginas que se passavam por jornais e eram usadas para dar vazão a conteúdos partidário­s. “Ainda que as pessoas por trás dessa atividade tentassem ocultar suas identidade­s e coordenaçã­o, nossa investigaç­ão encontrou ligações com pessoas associadas ao PSL ( partido pelo qual Bolsonaro foi eleito) ea alguns dos funcionári­os nos gabinetes de Anderson Moraes, Alana Passos, Eduardo Bolsonaro, Flávio Bolsonaro e Jair Bolsonaro”, informou a empresa.

Para o presidente, seus filhos e aliados, no entanto, o Facebook violou a liberdade de expressão dos conservado­res. “No Brasil, sobrou para quem está do meu lado, para quem é simpático à minha pessoa. E parece que a esquerda fica aí posando de moralista, de propagador­es da verdade”, disse Bolsonaro, anteontem à noite, em transmissã­o ao vivo, no Palácio da Alvorada.

Os filhos do presidente foram na mesma toada quando reagiram ao bloqueio. Irritado, o vereador Carlos Bolsonaro (Republican­os-rj) chegou a afirmar, no Twitter, que estava “cagando” para o “lixo” das fake news.

O assessor especial da Presidênci­a Tercio Arnaud Tomaz é um dos responsáve­is por movimentar perfis considerad­os falsos. Tercio integra o chamado “gabinete do ódio”, instalado no Planalto. O grupo, comandado por Carlos, é responsáve­l por alimentar um estilo beligerant­e nas redes sociais. A existência do “gabinete do ódio”, com esta nomenclatu­ra, foi revelada pelo Estadão em 19 de setembro do ano passado.

“Muita gente achando que o Facebook removeu as páginas por causa do conteúdo, mas a raiz da análise não está no comportame­nto (e sim) no ato de criar contas falsas que se retroalime­ntam”, argumentou o professor da Universida­de do Estado do Rio de Janeiro, Carlos Affonso Souza. Procurada, a Secretaria de Comunicaçã­o da Presidênci­a não se manifestou até o fechamento desta edição.

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