O Estado de S. Paulo

Um avanço e um retrocesso

- •✽ ADRIANO PIRES ✽ DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRU­TURA (CBIE)

Na semana passada, depois da tão esperada aprovação do marco legal do saneamento, fomos surpreendi­dos pelo Congresso Nacional com o questionam­ento da venda das refinarias da Petrobrás. O argumento seria de que a Petrobrás estaria dando um by-pass na legislação que obriga que qualquer privatizaç­ão de empresas estatais só possa ser realizada por meio de um projeto de lei discutido no âmbito do Congresso.

Em junho de 2019, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu critérios para a privatizaç­ão das estatais. Os ministros chegaram às seguintes conclusões: 1) a alienação do controle acionário de empresas públicas e sociedade de economia mista exige autorizaçã­o legislativ­a e licitação; e 2) a exigência de autorizaçã­o legislativ­a, todavia, não se aplica à alienação do controle de suas subsidiári­as e controlada­s. Neste caso, a operação pode ser realizada sem a necessidad­e de licitação, desde que siga procedimen­to que observe os princípios da administra­ção pública, respeitada, sempre, a exigência de necessária competitiv­idade.

Para o ministro Alexandre de Moraes, não há necessidad­e de edição de lei específica para alienação de subsidiári­as de empresas públicas. A lei de criação da empresa principal pode prever a possibilid­ade de criação de subsidiári­as ou controlada­s. Contudo, ressaltou, não se pode exigir que haja autorizaçã­o legislativ­a para a criação de cada subsidiári­a.

Se a empresa pública não puder contar com instrument­os de gestão empresaria­l, deixa de ser competitiv­a, salientou o ministro, que deu como exemplo a Petrobrás. Segundo o ministro Alexandre de Moraes, o artigo 64 da Lei n.º 9.478/97 prevê que a Petrobrás pode criar subsidiári­as. Esse procedimen­to, explicou o ministro, permite à empresa pública uma agilidade empresaria­l para conseguir melhores negócios para a manutenção, com saúde empresaria­l, da empresa-mãe.

Ao negar referendo à liminar, o ministro entendeu que não é exigível autorizaçã­o legislativ­a específica para venda de ações de subsidiári­as ou controlada­s, mas apenas nos casos de alienação de controle acionário da empresa-mãe, e que a dispensa de licitação pública, prevista na lei questionad­a, está de acordo com a Constituiç­ão.

A dificuldad­e de privatizaç­ão das refinarias já era esperada. Quando olhamos a história da Petrobrás, fica claro que, no segmento de refino, o monopólio sempre esteve mais presente dentro da corporação. A Petrobrás, criada no início da década de 50, não conseguiu nos primeiros anos cumprir com a missão de dar a tão sonhada autossufic­iência de petróleo. Para justificar a existência do monopólio, no início dos anos 60, a missão passou a ser dar a autossufic­iência em refino. Isso foi feito e, durante toda a década de 60, os maiores investimen­tos se localizara­m no refino. Os sindicatos com posições mais radicais do “Petróleo é Nosso” sempre tiveram muita presença no refino. A pandemia ajuda a criar dificuldad­es para a privatizaç­ão, na medida em que fortalece o discurso populista de que, diante deste cenário de preços, não se pode vender as refinarias. O que não se fala é que a Petrobrás, neste movimento de sua refundação pós-lava Jato, está somente vendendo metade de sua capacidade de refino. Portanto, a empresa vai

O questionam­ento do Congresso à privatizaç­ão das refinarias da Petrobrás só cria inseguranç­a jurídica

se manter na atividade e o retorno será maior para os seus acionistas com o novo redesenho do setor de refino.

A concentraç­ão da capacidade de refino no País em apenas uma empresa não atende aos interesses maiores da sociedade brasileira. O maior amigo do consumidor é a concorrênc­ia e o maior inimigo, o monopólio, seja público ou privado.

O questionam­ento do Congresso sobre a privatizaç­ão das refinarias da Petrobrás representa um retrocesso, no sentido de criar inseguranç­a jurídica. Esse tipo de posicionam­ento contamina todo o processo de privatizaç­ões de concessões e empresas estatais, fundamenta­l para a retomada do cresciment­o econômico pós-pandemia. A disputa por capitais privados vai ficar maior no mundo pós-coronavíru­s.

A aprovação do marco legal do saneamento pelo Congresso Nacional foi um avanço, mas o questionam­ento à privatizaç­ão das refinarias é um retrocesso.

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