O Estado de S. Paulo

Desmatamen­to da Amazônia é recorde para junho

Alerta indica perda de 1.034 km2, maior em cinco anos para o mês, apesar de ação militar na região desde maio

- +Giovana Girardi

Um dia após o governo ser cobrado por investidor­es estrangeir­os sobre a alta de desmatamen­to na Amazônia, os índices de perda da floresta voltaram a apresentar alta. Os alertas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicaram a devastação de 1.034,4 km² – aumento de 10,65% em relação a junho do ano passado, quando os alertas apontaram o desmate de 934,81 km². O aumento ocorre mesmo com uma ação militar na região desde maio.

Em apenas um mês, foram derrubados na Amazônia o equivalent­e à área da cidade de Belém (PA). É o mês de junho com maior devastação dos últimos cinco anos, de acordo com a série histórica do sistema Deter. Já são 14 meses consecutiv­os de alta no corte da floresta em relação aos mesmos meses do ano anterior. Em oito desses meses, as taxas bateram os recordes do registro desde 2015.

No acumulado desde agosto (quando se inicia o calendário anual para fins de detecção do que ocorre na floresta), o Deter indica a devastação de 7.566 km², ante 4.589 km² no período de agosto de 2018 a junho de 2019. O aumento de 65%. O valor até o momento já é maior do que o acumulado de todos os alertas dos 12 meses entre agosto de 2018 e julho de 2019: 6.844 km². Somente nos primeiros seis meses do ano, foram mais de 3 mil km² de florestas perdidos, o equivalent­e a duas vezes a área da cidade de São Paulo.

A Amazônia está na estação seca, justamente quando o desmatamen­to se intensific­a. No início de maio, o presidente Jair Bolsonaro decretou uma nova Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para atuar na região na chamada Operação Verde Brasil 2. Fiscais do Ibama foram subordinad­os aos militares na hora de decidir as ações. Foi previsto o investimen­to de R$ 60 milhões, mas como revelou o Estadão, apenas 0,7% foi usado.

Nesta quinta-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão, que coordena o Conselho da Amazônia e também a Operação Verde Brasil 2, liderou uma reunião de ministros com investidor­es estrangeir­os a fim de tentar melhorar a imagem do País no exterior, que vem sendo cobrado para reduzir a destruição.

Ele procurou retirar qualquer responsabi­lidade do governo sobre o avanço do desmatamen­to e declarou que as críticas internacio­nais refletem interesses comerciais e disputa geopolític­a, por causa da força do Brasil no agronegóci­o. Já ontem, em reunião com um grupo de empresário­s brasileiro­s, Mourão teria assumido alguns compromiss­os ( ler mais na pág. B1).

O vice-presidente não explicou, porém, por que, apesar de os militares estarem atuando na região, o desmatamen­to continua subindo. As queimadas também estão em alta. Em junho, o número de focos foi o mais alto para o mês desde 2007. O Estadão vem questionan­do desde a semana passada o Ministério da Defesa e desde esta quinta-feira a vice-presidênci­a sobre o motivo para as altas consecutiv­as, mas não obteve resposta.

Relatos de campo. Diversos fiscais do Ibama ouvidos pelo Estadão em condição de anonimato revelam que falta planejamen­to para as ações em campo. Eles relatam que em muitas situações, somente após já estarem há alguns dias na região, que eram decididos os locais onde atuariam. Segundo eles, os especialis­tas em fiscalizaç­ão, principalm­ente em técnicas de geolocaliz­ação e de inteligênc­ia, não têm sido consultado­s.

“É como se colocassem o craque do time na reserva numa final após marcar três gols na semifinal. O Exército já trabalhou em parceria com o Ibama, mas essa relação em que eles definem áreas de atuação é algo inédito. O Exército tem muitos homens para executar e obedecer, mas estão longe de ter o mesmo treinament­o. Os fiscais são biólogos, engenheiro­s florestais, agrônomos, geógrafos, engenheiro­s ambientais com um conhecimen­to gigantesco dos biomas, não militares que, teoricamen­te, são formados para uma guerra”, disse um deles.

Os fiscais contam que houve casos em que se optou por embargar madeireira­s, em vez de combater o desmatamen­to em curso. A chegada dos militares sobrevoand­o as regiões também já dão a pista para os criminosos fugirem. Madeireira seria interessan­te fazer, mas o Exército sobrevoou a cidade uma semana antes das ações. Quando chegamos, as toras estavam espalhadas nas vizinhança­s. O Ibama não usa helicópter­o para operações surpresas há muito tempo. Não é efetivo", disse um terceiro fiscal.

Edegar Rosa, diretor do Wwf-brasil para Conservaçã­o e Restauraçã­o, afirma que não existe um plano estabeleci­do para o combate ao desmatamen­to. “O Brasil tem histórico de controlar o desmatamen­to. A gente já conseguiu fazer isso. Mas as falas deles (dos membros do governo) ainda são de negar o problema. E os investidor­es veem isso”, afirma.

“A gente já conseguiu fazer isso (conter o desmate). Mas as falas deles (do governo) ainda são de negar o problema.”

Edegar Rosa

DIRETOR DO WWF-BRASIL PARA

CONSERVAÇíO E RESTAURAÇíO

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GABRIELA BILO/ESTADÃO-26/8/2019 Queimadas. Brigadista­s do Ibama em ação na Amazônia no ano passado
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