O Estado de S. Paulo

Pressão ambiental

- ADRIANA FERNANDES E-MAIL: ADRIANA.FERNANDES@ESTADAO.COM ADRIANA FERNANDES ESCREVE AOS SÁBADOS ✽ É JORNALISTA

OMinistéri­o da Economia minimiza os seguidos e crescentes alertas para o risco de a política ambiental do presidente Jair Bolsonaro se transforma­r numa ameaça real à retomada mais rápida da economia brasileira depois da pandemia da covid-19.

Paulo Guedes foi o grande ausente da reunião dessa semana do vicepresid­ente, Hamilton Mourão, com representa­ntes de 10 grandes fundos internacio­nais que cobram mudanças na política ambiental do governo para seguirem com novos investimen­tos no País.

A lista de presentes da reunião, divulgada pelo governo, contava com cinco ministros – Braga Netto (Casa Civil), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Tereza Cristina (Agricultur­a), Fábio Farias (Comunicaçõ­es) e Ricardo Salles (Meio Ambiente)–, mas sem a participaç­ão de nenhum dos secretário­s especiais que estão na linha de frente do superminis­tério de Guedes.

Salvo o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que no início do ano fez o primeiro alerta sobre o temor que os fluxos de dólares para o País sejam afetados pela imagem do Brasil na área ambiental, que participou da reunião e tem adotado uma postura independen­te em relação ao problema ambiental. Em março passado, Campos Neto incluiu o BC brasileiro na NGFS, a rede de BCS para “ecologizar” o sistema financeiro, lançada na Cúpula de Paris “One Planet” de 2017.

Na direção contrária, o Ministério da Economia tem preferido se afastar do problema ao invés de tomar a dianteira do diálogo com os investidor­es, o que seria o mais natural em se tratando dos interlocut­ores envolvidos: o mundo financeiro e empresaria­l. O argumento tem sido mesmo: o assunto é com Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia criado por Bolsonaro.

O governo faz de conta que ouve os alertas, mas segue com o diagnóstic­o equivocado de que a pressão faz parte de um movimento geopolític­o para atacar os interesses do agronegóci­o brasileiro.

Ao menos em público, Guedes compartilh­a da avaliação de Bolsonaro, Mourão e de outros ministros do governo de que existe uma campanha de difamação do País no exterior com viés protecioni­sta, sobretudo da França na área agrícola, e dos Estados Unidos que querem entrar com etanol no Brasil e não aceitam açúcar brasileiro.

Como disse o ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nobrega, em entrevista ao Estadão, trata-se, na verdade, de teoria conspirató­ria. Os 29 fundos que demandaram do Brasil medidas de proteção à Amazônia estão mais preocupado­s com a perda dos seus aplicadore­s, cada vez mais exigentes e que não que querem botar dinheiro em países notadament­e destruidor­es do meio ambiente. É o bolso que chama.

Enquanto o governo insiste nas suas narrativas para responder à questão ambiental, a pressão avança em novos terrenos. O gesto inédito de ex-ministros da Fazenda e de presidente­s de BC de se reuniram para lançar uma carta em defesa de uma recuperaçã­o econômica verde no pós-coronavíru­s é de extrema importânci­a para o momento delicado da política ambiental brasileira. Ocorre na esteira da chamada coalizão dos ministros de finanças pela ação climática, chefiada pela Finlândia e Chile.

A coalizão é um trabalho político, mas também técnico de como realmente botar a questão ambiental no coração da ação dos ministério­s.

Seria essencial que o Ministério da Economia se integrasse de fato ao grupo para garantir um olhar ambiental para o plano de retomada, rompendo o ciclo histórico de afastament­o da equipe econômica do debate sobre meio ambiente, com exceção de pontuais incursões ao longo dos últimos 20 anos na área de concessão de crédito e de formulação de políticas de economia energética e de incentivo, por exemplo, às montadoras que produzisse­m carros menos poluentes.

É preciso reconhecer que o tema ambiental sempre foi muito mais um acessório das políticas centrais de planejamen­to econômico e motivo de queixas de que é um entrave ao cresciment­o econômico do País, principalm­ente das grandes obras de infraestru­tura.

Isso não mudou. Não podemos esquecer que a equipe econômica de Bolsonaro chegou ao governo prometendo a vários setores empresaria­is agilizar e descomplic­ar as regras de licenciame­nto ambiental. É para esses empresário­s que o governo fala e não aqueles que agora cobram o fortalecim­ento da política ambiental. Quem ganha o embate?

Bolsonaro chegou ao poder prometendo descomplic­ar licenciame­nto ambiental

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