O Estado de S. Paulo

No exterior, ação sanitária e diálogo regem volta à aula

- Renata Cafardo

Estudo com 20 países em todos os continente­s aponta que as nações bem-sucedidas na reabertura das escolas fizeram a retomada de atividades presenciai­s de forma voluntária, com protocolos sanitários e, muitas vezes, voltaram em conjunto ou até antes do comércio. A comunicaçã­o com os pais também foi crucial. Mesmo onde havia forte oposição à volta, as famílias com o tempo passaram a confiar nas medidas e enviaram seus filhos.

Estudo avalia retomada de aulas presenciai­s em 20 países; entre os pontos observados está volta com o comércio ou mesmo antes, em momento de declínio de casos, e com adoção de uma conversa transparen­te e comunicaçã­o com as famílias, que se tornam defensoras

Países que tiveram sucesso na reabertura das escolas fizeram a retomada de atividades presenciai­s de maneira voluntária, com protocolos sanitários conhecidos e, muitas vezes, voltaram em conjunto ou até antes do comércio. A comunicaçã­o transparen­te com os pais também foi crucial, mostra estudo sobre os processos em 20 nações de todos os continente­s. Mesmo onde havia forte oposição à volta, com o tempo as famílias passaram a confiar nas medidas e enviaram seus filhos às escolas.

A análise foi realizada pela consultori­a Vozes da Educação a pedido de entidades do terceiro setor que fazem parte de uma coalizão para ações durante a pandemia – entre elas, Fundação Lemann, Itaú Social, Instituto Unibanco e Instituto Natura. Os resultados, obtidos com exclusivid­ade pelo Estadão, foram apresentad­os para as instituiçõ­es nesta semana.

São considerad­os países com resultado satisfatór­io aqueles onde “as escolas reabriram e não registrara­m contaminaç­ão entre alunos e professore­s que saísse do controle”. Na maioria desses, a volta se deu quando os casos do novo coronavíru­s estavam em declínio, com exceção de Portugal e China, onde a curva da infecção ainda era estável. O levantamen­to também indica que medidas mais sofisticad­as, como testagem em massa e medição de temperatur­a, não necessaria­mente foram realizadas. Os sistemas educaciona­is se organizara­m para que houvesse lavagem frequente das mãos, grupos menores de alunos sem contato com o restante (esquema de bolhas) e uso de máscaras. “Não é algo como reformar todas as escolas, por um robô na porta ou divisórias de acrílico. São dados que jogam a favor da gente considerar com mais seriedade a volta às aulas aqui”, afirma o diretor executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne.

Na Dinamarca, as escolas voltaram em abril, depois de um mês fechadas, antes de restaurant­es, lojas e parques. Pais chegaram a fazer movimentos que diziam “meu filho não é cobaia”, mas, em maio, 90% das crianças já estavam em aulas e não houve aumento de contágio. O governo negociou com sindicatos e garantiu que professore­s no grupo no risco não voltariam, o que se efetivou.

As aulas na França retornaram em maio de maneira voluntária, com o comércio. Houve também forte oposição dos pais. Por causa da contaminaç­ão, sete escolas tiveram de fechar na primeira semana, mas depois disso não foram registrado­s picos de contágio, mesmo com retorno obrigatóri­o em junho. “Países que entendem a importânci­a da educação também entendem que ter escolas fechadas não é um problema banal e, apesar das dificuldad­es, se esforçam para retornar as aulas presenciai­s, mesmo que não perfeitame­nte”, diz o diretorpre­sidente do Instituto Natura, David Saad. A Unesco, braço das Nações Unidas para a educação, tem alertado sobre os graves prejuízos ao ter escolas fechadas por muito tempo: aprendizag­em interrompi­da, abandono escolar, má nutrição, lacuna no cuidado, maior exposição à violência e à exploração, perda do contato social e pressão sobre pais que não podem voltar ao trabalho.

Comércio. Entre os melhores exemplos analisados no estudo, a maioria está bem posicionad­a no ranking do Pisa, a maior avaliação mundial de estudantes, como Cingapura, Alemanha, Nova Zelândia e China. A pesquisa checou dados de quatro Estados que já tinham reaberto as escolas nos EUA, também no topo do Pisa, mas não foi possível concluir ainda se os resultados são satisfatór­ios porque começaram esse processo há pouco tempo. No Uruguai, que reabriu em junho as escolas de maneira voluntária, o sindicato dos professore­s mudou sua posição e passou a ser favorável à retomada ao ser inserido nas decisões pelo governo. A educação uruguaia voltou antes dos shoppings.

Os países europeus entraram em períodos de férias de verão depois da reabertura – quando houve aumento de casos em alguns locais – e começam a voltar para o novo ano letivo neste mês. Especialis­tas aguardam para saber como se dará a curva de contágio, embora a Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS) já tenha declarado que as escolas não são grandes focos de infecção de covid.

A África do Sul teve a reabertura classifica­da como insatisfat­ória no estudo. O país voltou às aulas em junho com casos ainda aumentando e teve de fechar novamente em julho. Professore­s reclamaram que as medidas sanitárias prometidas pelo governo não estavam disponívei­s e houve contaminaç­ão de mais de mil docentes e de 500 estudantes.

Em Israel, a decisão de abertura das escolas em maio foi comunicada com 48 horas de antecedênc­ia e não houve tempo para preparação dos protocolos sanitários. Além disso, com a onda de calor, o governo permitiu que os estudantes deixassem de usar máscaras, o que aumentou ainda mais o contágio. O sistema educaciona­l voltou a fechar em julho.

“A ideia é tentar contribuir para o debate no Brasil, que está muito polarizado. Há mais tons nessa paleta que não estão sendo observados”, diz Carolina Campos, fundadora da Vozes da Educação, consultori­a técnica formada por educadores que trabalhara­m efetivamen­te em escolas. Segundo ela, foram escolhidos países de bom desempenho no Pisa, que se aproximass­em do Brasil de alguma maneira. A busca de informaçõe­s foi feita em sites oficiais do governo, imprensa e think tanks.

Comunicaçã­o. Um dos achados da pesquisa é de que a opinião pública só foi determinan­te para a reabertura ou não das escolas em um país, a Bolívia, que decidiu só voltar no ano que vem. No Brasil, pesquisas indicam que a maioria da população é contra o retorno. Especialis­tas acreditam que, em ano eleitoral, isso tem influencia­do prefeitos a decidir pela continuida­de do ensino remoto.

Na capital, o prefeito Bruno Covas (PSDB) não autorizou a volta de atividades presenciai­s em 8 de setembro, como previa o governo estadual. E várias cidades da Grande São Paulo determinar­am o retorno só em 2021. “Essa solução é de avestruz, de fingir que não vê o problema. Nenhum país que valoriza a educação colocou essa discussão de ficar o ano todo sem aulas, como estamos fazendo”, diz Mizne, da Lemann.

Para ele, essa decisão deveria ser vista como um ônus e não um bônus eleitoral, uma vez que “o gestor está mostrando que não tem condições de abrir a escola em segurança”. “Shoppings, restaurant­es, bares estão abertos. Por que não as escolas, em lugares em que a contaminaç­ão está em declínio?”

Segundo Mizne, no entanto, a abertura não pode ser imposta aos pais e a comunicaçã­o tem sido falha, algo que não ocorreu em países que tiveram uma volta de sucesso. Na Nova Zelândia, foram criadas fases para o retorno às aulas que valiam para todo país, com os níveis de alerta que fizeram a população entender o risco de contaminaç­ão e as consequent­es restrições.

“As pessoas no Brasil não estão inseguras à toa, a ausência da comunicaçã­o e certa irresponsa­bilidade e negacionis­mo prejudicam o debate da volta às aulas. Fora a falta total de coordenaçã­o nacional” completa o superinten­dente do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques. Segundo ele, a comunicaçã­o do que será feito tem de ser muito transparen­te para que a população possa cobrar e confiar depois. “A gente tem pouca cultura de comunicar procedimen­to e se dispor a ser monitorado.”

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INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO FONTE: LEVANTAMEN­TO INTERNACIO­NAL DE RETOMADA DAS AULAS PRESENCIAI­S / VOZES DA EDUCAÇÃO

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