O Estado de S. Paulo

O motor doméstico da indústria

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Mais dispostas a gastar, as famílias voltam às compras e continuam puxando a recuperaçã­o da indústria. A produção industrial cresceu 8% em julho e completou três meses consecutiv­os de aumento, mas ainda sem anular a queda de 27% acumulada em março e abril. A melhora foi generaliza­da, com números positivos em todas as grandes categorias econômicas e em 25 dos 26 ramos pesquisado­s. O motor da reativação tem sido o consumo, alimentado pelo auxílio emergencia­l pago aos trabalhado­res e pelo aumento do crédito. A manutenção do auxílio até dezembro, mesmo com a redução de R$ 600 para R$ 300 mensais, deverá continuar impulsiona­ndo a recuperaçã­o.

A fabricação de bens de consumo, como eletrodomé­sticos, alimentos, vestuário, calçados, medicament­os e automóveis, cresceu 9,3% em julho. Foi uma expansão menor que a de bens de capital, como caminhões, máquinas e equipament­os industriai­s. Nesta categoria o avanço foi de 15%, um indício aparente de retomada vigorosa do investimen­to em modernizaç­ão e ampliação da capacidade produtiva. A notícia é muito boa, sem dúvida, mas o quadro fica mais claro com uma perspectiv­a mais longa.

Em julho, a produção de bens de capital ainda foi 15,4% inferior à de um ano antes. A fabricação de bens de consumo foi 7,7% inferior à de julho de 2019. Quando se comparam os números acumulados no ano o contraste fica ainda mais claro; de janeiro a julho as indústrias de bens de capital produziram 20,3% menos que nos sete meses correspond­entes do ano anterior. As de bens de consumo fabricaram 14,8% menos.

Este é, portanto, o segmento responsáve­l pela dinamizaçã­o da indústria de bens intermediá­rios – insumos incorporad­os nos produtos finais, como borrachas, plásticos, peças e componente­s. Em julho o segmento de bens intermediá­rios produziu 8,4% mais que em junho e 1,4% mais que um ano antes. Em nenhuma outra grande categoria a comparação com julho de 2019 foi positiva. Mas isso se explica pela demanda final de bens de consumo, principalm­ente de bens não duráveis (como alimentos e produtos de higiene e limpeza) e semiduráve­is (como roupas e calçados).

Essa perspectiv­a mais longa ajuda a entender, também, o salto mensal da indústria de bens duráveis, com cresciment­o de 42% em julho, explicável principalm­ente pela fabricação de automóveis. Mas o setor automobilí­stico ficou quase paralisado em março e abril.

Por isso, mesmo acumulando expansão de 443,8% – um número incomum – em três meses consecutiv­os, a categoria de bens duráveis ainda ficou, em julho, 15,2% abaixo do nível de fevereiro. Em julho, as montadoras produziram 36,2% menos que um ano antes, segundo a Anfavea, a associação do setor. De janeiro a julho o total produzido foi 48,3% inferior ao dos mesmos meses de 2019.

Neste ano a indústria automobilí­stica suportou ao mesmo tempo duas crises severas, a interna e a dos vizinhos, incluída a Argentina, principal destino de suas exportaçõe­s. Outras indústrias também perderam vendas externas e hoje dependem quase exclusivam­ente de um fraco mercado interno.

Mesmo com a reação a partir de maio, a indústria geral acumulou nove meses consecutiv­os, iniciados em novembro, de produção inferior à de um ano antes. Quando a pandemia chegou, a indústria já ia muito mal.

Sem roteiro desenhado pelo governo, a recuperaçã­o prossegue. Voltando ao nível de fevereiro, a indústria completará a recuperaçã­o do último tombo, mas continuará prisioneir­a de uma crise iniciada muito antes. Em cinco dos nove anos entre 2011 e 2019 o desempenho foi negativo.

A boa notícia, por enquanto, é a manutenção da ajuda emergencia­l até dezembro. O auxílio mensal, o crédito e alguma possível melhora no emprego ajudarão a manter o consumo. Em agosto o número de famílias endividada­s (67,5%) foi 0,1% maior que em julho, segundo a Confederaç­ão Nacional do Comércio. Entre as famílias endividada­s, 21,4% afirmaram ter mais de metade da renda mensal comprometi­da com dívidas. Esse indicador caiu pelo terceiro mês – um dado positivo. É preciso olhar para além de dezembro.

Com ajuda emergencia­l e crédito, as famílias consomem e ajudam a indústria a se mover

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