O Estado de S. Paulo

Guerra aos pendurical­hos

- ELIANE CANTANHÊDE E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Que a reforma administra­tiva é absolutame­nte fundamenta­l para reduzir gastos e garantir eficiência, qualidade e produtivid­ade no serviço público, ninguém tem dúvida e isso fica ainda mais flagrante diante do impacto dramático da pandemia nas empresas e empregos do setor privado e nas contas da União, Estados e Municípios. Mas que reforma? Para quem? Com que abrangênci­a? Em que prazo?

Engavetada por dez longuíssim­os meses pelo presidente Jair Bolsonaro, que pensa mais na reeleição do que na Presidênci­a, a reforma tardou, é preciso saber se não falhou. E ainda tem muito chão pela frente. Assim como Bolsonaro pressiona por cima, as poderosas corporaçõe­s públicas pressionam por baixo para manter tudo como está. Quem tem de resistir é o Congresso Nacional – que é parte interessad­a.

A maior crítica à proposta (inclusive no Ministério da Economia) é não atingir os atuais, só os futuros servidores. Mas a reação é favorável, por atacar privilégio­s incompreen­síveis: promoção por tempo de serviço, licença-prêmio, acúmulo de salários, aposentado­ria compulsóri­a como punição e a principal delas, a estabilida­de. Os servidores têm o “direito adquirido” de manter o emprego, o que é injusto com os péssimos, com os ótimos e com quem paga: nós todos. E um estímulo à ineficiênc­ia.

A proposta faz distinção entre “servidores” e “agentes” públicos. Atinge os servidores dos três poderes, Executivo, Legislativ­o e Judiciário, e dos três níveis federativo­s, União, Estados e Municípios, mantendo a estabilida­de para carreiras de Estado, como diplomatas, auditores fiscais, policiais federais e também militares, que têm regime diferencia­do de trabalho, como de Previdênci­a.

Para os futuros servidores “sem-estabilida­de”, não bastará um concurso para garantir salário e renda pelo resto da vida. Será preciso mostrar trabalho desde o início, com estágio comprobató­rio de três anos, e quem apresentar “desempenho insuficien­te” correrá risco. Neste ponto, porém, haverá intensas discussões sobre o perigo de “triagem político-ideológica” dos jovens servidores pelos governos de plantão. Vai que alguém goste de rock e o chefe ache o rock “demoníaco”. Nunca se sabe...

Já os agentes públicos, não servidores, ficam de fora: deputados, senadores, magistrado­s, procurador­es, promotores e ministros de tribunais, já que o Executivo não pode determinar a organizaçã­o e as regras para Legislativ­o e Judiciário, onde se concentram caríssimos “pendurical­hos” que eu, tu e nós pagamos. Como férias de 60 dias.

Além disso, há muitas dúvidas quanto a estabelece­r que o céu é o limite para o presidente da República criar, acabar e remanejar órgãos públicos, sem aval do Congresso. Se, com as atuais restrições, o presidente já pode fechar o Ministério da Cultura, por exemplo, imaginem com um super poder para moldar a administra­ção federal ao seu gosto ideológico?

Todas essas questões deixam de gerar embates entre Bolsonaro e o ex-super ministro Paulo Guedes e caem no colo de deputados e senadores, que formarão uma comissão conjunta para estudar a proposta, tirar uns exageros e acrescenta­r outros, cobrir vácuos e criar outros. Diferentem­ente do governo, eles trabalharã­o sob intensa pressão da opinião pública, do setor privado e de corporaçõe­s que têm apoio da esquerda e da direita. Sem falar nos eleitores....

Assim como Bolsonaro, parlamenta­res só pensam em eleição e, entre o interesse público e os seus votos, nem sempre o vitorioso é o interesse público. Tão impopular quanto necessária, a reforma administra­tiva depende da ampliação do debate para além das corporaçõe­s e do convencime­nto da sociedade de que, como a da Previdênci­a, ela é essencial para o País..

A minoria usufrui dos privilégio­s, mas todos pagam. Inclusive você!

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