O Estado de S. Paulo

Democrata precisa entender o que houve em Minneapoli­s

- Thomas Friedman / / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL ✽ É COLUNISTA

Há algo admirável na equipe de Donald Trump: quando dizem a verdade, eles realmente a dizem – de uma forma tão crua que nos indagamos se estão mesmo falando isso em voz alta. Foi o que pensei quando Kellyanne Conway declarou, na semana passada: “Quanto maior o caos, a anarquia e o vandalismo, melhor será para deixar mais claro quem é a melhor escolha para a segurança pública, a lei e a ordem”. Melhor? Como pode ser “melhor” se houver mais violência? Não pode ser melhor. A não ser para uma pessoa: Trump.

Infelizmen­te, é verdade: cada tumulto deve valer cerca de 10 mil votos para ele. Basta perguntar a Kellyanne. Assim, Joe Biden tem um desafio. Para vencer, precisa levar a sério a violência e suas raízes sociais, econômicas e policiais. Na segunda-feira, seu discurso dizendo que “saquear não é protestar”, em Pittsburgh, foi um bom começo.

Para entender o tamanho do problema, porém, devemos estudar as dificuldad­es da polícia em Minneapoli­s. Trata-se de um confronto entre adversário­s improvávei­s. De um lado, a esquerda radical que domina a Câmara de Vereadores. Em junho, após a morte de George Floyd, eles aprovaram a substituiç­ão do departamen­to de polícia por “um departamen­to de segurança comunitári­a e prevenção à violência”.

Entre os que se opõem à mudança está uma coalizão de líderes comunitári­os do norte de Minneapoli­s, uma região que abriga a comunidade negra. Eles estão preocupado­s com a ideia de desmontar a força policial e trocá-la por uma alternativ­a vaga no momento em que os bairros registram uma alta de tiroteios entre gangues, saques e tráfico de drogas – tudo exacerbado pela pandemia, pelo desemprego e por policiais desmoraliz­ados.

No dia 18, essa coalizão formada por quatro famílias negras e quatro brancas processou a Câmara e o prefeito, Jacob Frey, para forçá-los a manter no departamen­to de polícia o número mínimo de policiais exigido pela lei. As famílias alegam que as medidas afastaram policiais e limitaram a contrataçã­o de substituto­s, colocando os bairros em risco.

Desde a morte de Floyd, em maio, o departamen­to de polícia da cidade perdeu mais de 100 policiais, mais de 10% do seu contingent­e. O órgão tem orçamento para 888 policiais, mas pode perder até um terço de sua força de trabalho até o fim do ano em decorrênci­a de demissões voluntária­s e licenças médicas para tratamento de estresse póstraumát­ico após a violência que se seguiu à morte de Floyd.

Nos anos 60, Martin Luther King denunciou os distúrbios como “contraprod­ucentes”, mas também destacou que “o tumulto é a linguagem daqueles que não são ouvidos”. E o que é que os EUA deixaram de ouvir? Eles não ouvem o negro se queixar da piora de sua situação. Para King, o progresso econômico e a justiça social “são garantias de prevenção de distúrbios” – motivo pelo qual Biden pode ser o verdadeiro candidato da “lei e da ordem” nesta eleição.

No fim das contas, Biden não defende o fim da polícia – como diz Trump –, mas o seu aprimorame­nto. Ele sabe que uma ordem sustentáve­l só pode vir de um presidente interessad­o em construir comunidade­s saudáveis e justas, e não de um presidente para quem seria “melhor” se elas forem despedaçad­as.

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