O Estado de S. Paulo

Maria Rita faz show hoje em drive-in

Cantora fala de sua rotina na quarentena e da volta aos palcos

- Danilo Casaletti ESPECIAL PARA O ESTADO

Mãe, dona de casa, cantora, produtora, empresária. Maria Rita, prestes a completar 43 anos, assume – como a maioria das mulheres – múltiplos papéis. Por isso, sabe que precisa se manter forte. Por ela, pelos filhos (Antonio, 16 anos, e Alice, 7) e também pelos músicos e pela equipe técnica. Por todos eles – e pelo amor à profissão –, ela aceitou os convites para se apresentar fora de casa em tempos em que a pandemia do novo coronavíru­s ainda é uma ameaça. Nesta sexta-feira, 4, ela mostra o show Samba da Maria no Arena Sessions do Allianz Parque, em esquema de drive-in.

Em agosto, ela já havia experiment­ado esse formato, em apresentaç­ão no Parque Burle Marx – depois de fazer lives patrocinad­as da sala de sua casa. “Foi uma experiênci­a muito louca!”, contou ao Estadão, por e-mail. Com projetos interrompi­dos – inclusive, de um novo álbum –, Maria Rita entendeu que não é tempo de ter tudo sob controle. “O que funcionou para mim foi lembrar que a minha frustração não iria me levar a nada. O que está acontecend­o não é culpa minha.”

• Você começou fazendo lives na sua casa. Depois, se apresentou em drive-in e em estúdio. Como foi a decisão de dar esse passo a mais, de aceitar convites para se apresentar fora de casa?

O principal fator, não vou mentir, foi a consideraç­ão para com aqueles que precisam trabalhar, inclusive eu. Não só por uma questão afetiva, emocional ou psicológic­a, mas também financeira. A vida não está ganha. Meu cachê nunca foi R$ 200 mil ou R$ 300 mil. Nunca chegou a esse patamar. Então, sei que a minha equipe precisa trabalhar. Eu também preciso. Precisava sinalizar para as pessoas próximas – meus filhos e minha equipe – que estou trabalhand­o, que não estou acomodada. Conversei com os músicos e com a equipe técnica para ver até onde eles estavam confortáve­is em trabalhar. Estamos respeitand­o as normas, mas, de fato, foi uma decisão bem difícil.

• Sentiu-se segura nessa volta ao trabalho?

Não. Eu não me senti segura. E ainda não me sinto segura em avião, por exemplo. Nesse processo de ponderar o que vale e o que não vale, já neguei algumas apresentaç­ões fora do eixo Rio-São Paulo. Dependendo do lugar, a gente pega estradas perigosas, de noite, para evitar hotel. Tornou-se um quebra-cabeça não muito fácil. Isso abre uma margem para algumas exigências: não posso ficar doente, não posso parar em hospital por qualquer coisa. São cuidados exacerbado­s. Se antes eu tinha alguns, hoje tenho mais! Mas tenho encontrado pessoas muito compreensi­vas, muito profission­ais, que respeitam minhas inseguranç­as e fazem com que haja um conforto para que o trabalho seja feito, porque a gente ama o que faz.

• Recentemen­te, você fez um show em um formato drive-in e, agora, fará outro, em um local maior. Como foi essa experiênci­a de cantar para o público dentro dos carros?

Foi uma experiênci­a muito louca! Mas muito bacana, sabe por quê? Foi muito interessan­te ver a capacidade que a gente tem de se adaptar. No início, me senti como se estivesse no meu primeiro encontro (risos). Ninguém sabe muito o que falar, fica aquele silêncio constrange­dor. Lá pela terceira ou quarta música, o público já tinha entendido a dinâmica e a gente começou a alimentar a energia um do outro. Lá pela quinta música, as pessoas estavam dançando dentro do carro. Ih, bicho! Lá pela décima música, a galera já estava com a janela aberta, braços para fora. Uns sentavam na janela e dançavam, batucavam no teto do carro. Foi muito maneiro! São modelos novos que eu acho que vão acabar fazendo parte da cultura da gente. A gente se adapta, cara! A gente não deixa a peteca cair, não! (risos)

• Do lado pessoal, como você se comportou nesta quarentena? Como organizou sua rotina longe dos palcos?

No começo, achei que ia voltar a ter aula de piano, que eu ia ler muito, sair desta quarentena muito culta, praticamen­te com um PH.D. nos assuntos de que eu gosto. Tenho uma filha de 7 anos de idade. E, sem o tempo gasto na escola, não só as aulas online, o dia a dia ficou tudo muito em cima de mim. Então, se resume a distração, aula online, almoço, jantar. Eu me voltei totalmente para ela, assim que entendi que a quarentena não ia ser de apenas 15 dias. Quando eu vi que a situação se prolongari­a, falei: para! O bicho pegou. O meu grande foco é me manter saudável espiritual­mente e mentalment­e. Vou cuidar da minha saúde mental por ela (filha). Meu filho tem 16 anos, já entende muito melhor, mora com o pai em São Paulo. A gente ficou quatro meses sem se ver. Consegui ir a São Paulo de carro para buscá-lo. Ele ficou aqui comigo dez dias e o levei de volta assim que começaram as aulas. O que funcionou para mim foi lembrar que a minha frustração não iria me levar a nada. O que está acontecend­o não é culpa minha. Não posso pirar, não posso me dar a esse luxo.

• Além de seus grandes sucessos, músicas como O Bêbado e a Equilibris­ta e O Mestre-Sala dos Mares se tornaram importante­s em suas apresentaç­ões. Ambas de João Bosco e Aldir Blanc, lançadas por sua mãe na década de 1970. Ao mesmo tempo que isso atesta a longevidad­e dessas composiçõe­s, também mostra que nossos problemas ainda são os mesmos. Que significad­o elas têm para você?

Essas músicas ainda são reais, a gente vive isso. Acho que estávamos meio anestesiad­os ou disfarçado­s por algumas grandes conquistas da sociedade brasileira. Estamos falando de formas de pensar de cento e poucos anos atrás. Só que agora está escancarad­o porque, como num pêndulo, a história está indo para esse lado de novo e encontra representa­ntes dessa forma de pensar, não só no Brasil, como em outros lugares no mundo. A indignação é: como as pessoas ainda pensam dessa forma? Como a sociedade não andou para frente? Como ainda tem gente que age desse jeito? Como ainda tem gente que usa palavras de sábios como Jesus para justificar um comportame­nto absolutame­nte retrógrado. Retrógrado é pouco. É absolutame­nte sombrio.

• A música – e a arte em geral – foi um grande alento para as pessoas durante a quarentena. Isso traz mais responsabi­lidade para os artistas?

Para mim, essa responsabi­lidade existe desde sempre. De 2016 ou 2017 para cá, prestigiar arte nacional virou um ato de resistênci­a, com mais intensidad­e de 2018 para cá. Fora essa questão política, o simples fato de uma pessoa escolher sair do conforto da sua casa para prestigiar o artista, para ser um agente incentivad­or de cultura, mesmo que sem perceber, mesmo que inconscien­temente, é de uma força muito grande. Minha relação não é com a fama, é com a arte. Como meu pai me ensinou: é entretenim­ento para o outro, mas é o nosso ganhapão. É o meu ofício, missão. É uma relação que eu prezo muito. Temos o microfone na mão. Somos megafone das sensações e experiênci­as humanas.

• De que maneira todas essas questões sociais e políticas pelas quais o Brasil e o mundo estão passando podem refletir em um futuro trabalho seu?

Em 2007, no (álbum) Samba Meu gravei uma música chamada Corpitcho, que poucas pessoas entenderam a mensagem. Quando entenderem falaram: “Caraca! Você já estava cantando isso em 2007?”. Eu respondia: “Eu não! Tinha um compositor pensando nisso e escreveu”. Dá uma olhada nessa letra para ver o que eu estou falando. A realidade do povo brasileiro, infelizmen­te, não muda. Vou seguir buscando cantar essas dores que reflitam a experiênci­a humana.

• Em uma das apresentaç­ões online, você disse que teve pelo menos três projetos paralisado­s por conta da pandemia. Entre eles, estava um novo disco? Sim, um deles era o disco. Agora, eu tenho de esperar porque as dinâmicas mudaram. Era um trabalho em que eu estava contando com apoios, parceria comercial. Puxaram o freio de mão em tudo. Como eu disse, estou focada na minha filha, no bem-estar dos meus dois filhos. Não tenho como parar e fazer pesquisa de repertório de nove, dez horas por dia, durante por sei lá quanto tempo. Para ir para o estúdio gravar, mesmo que seja um EP, com três músicas, não tenho esse tempo agora. Minha cabeça não está funcionand­o para essa frequência. Mas isso não significa que eu não esteja pensando em absolutame­nte nada, não estou bloqueada. Só quer dizer que a relação com o tempo está um pouco diferente.

Samba da Maria

4 de setembro, às 21h, no Allianz Parque (Rua Padre Antonio Tomás, 72), Portão de Acesso: C2. R$ 280 a R$ 500 por carro (até 4 pessoas por veículo)

 ??  ??
 ?? DARYAN DORNELLES ?? Samba da Maria. Cantora se apresenta no drive-in hoje (4)
DARYAN DORNELLES Samba da Maria. Cantora se apresenta no drive-in hoje (4)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil