O Estado de S. Paulo

Saúde tem 9,5 milhões de testes estocados.

Ministério distribuiu 28% do material; falta de insumos para coleta é o principal motivo

- Mateus Vargas / BRASÍLIA

Sete meses após o Brasil entrar em estado de emergência pública por causa da pandemia, o Ministério da Saúde distribuiu menos de um terço dos 22,9 milhões de exames do tipo RT-PCR, considerad­os “padrão ouro” para diagnóstic­o da covid-19. Até ontem, foram 6,43 milhões de unidades enviadas a Estados e municípios da rede pública de saúde, o que equivale a 28% do total. No mesmo período, o governo enviou 8 milhões de testes do tipo rápido – que localizam anticorpos para a doença, mas não são indicados para diagnóstic­o –, obtidos por meio de doações.

O principal motivo para os exames já comprados não serem usados é a falta de insumos necessário­s na primeira etapa, para a coleta e extração do material genético de pacientes. Segundo gestores locais, os testes encalham tanto no ministério como em unidades de saúde, pois o governo federal enviou kits incompleto­s para processar as amostras colhidas. Há 9,46 milhões de unidades estocadas na pasta, número próximo do revelado pelo Estadão no fim de julho (9,85 milhões).

Isso porque o número de cotonetes “swab” e tubos, usados para coleta de amostras, está abaixo do necessário. Foram 2,48 milhões do primeiro e 1,8 milhão do segundo. Os insumos para “extração” do material genético (RNA), segunda fase do processo de testes, foram entregues em escala ainda menor: somente 622,6 mil chegaram aos Estados. Os dados sobre reagentes e insumos distribuíd­os constam em documentos internos da pasta, obtidos pelo Estadão.

O Ministério da Saúde afirma que pretende regulariza­r a situação, pois contratou 10 milhões de unidades de “extração”, que devem ser distribuíd­as nos próximos 15 dias. Questionad­a em julho sobre os testes encalhados, a pasta disse que não havia recebido alertas dos gestores dos Estados sobre a falta de insumos. Relatórios internos, no entanto, já apontavam o problema. O governo afirmou ainda que teve dificuldad­es para encontrar todos os insumos no mercado internacio­nal.

Outro motivo para a não distribuiç­ão da maior parte dos exames já adquiridos é que 7,65 milhões ainda estão em fabricação na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), laboratóri­o público vinculado à pasta. O resultado da falta do material é que o Sistema Único de Saúde (SUS) executou apenas 2,65 milhões de testes moleculare­s, ou seja, menos da metade das unidades entregues pelo ministério. A conta não considera que alguns Estados e municípios ainda fizeram compras próprias de exames.

“A distribuiç­ão de insumos para extração do material genético viral, utilizado na primeira etapa do processame­nto nos laboratóri­os, ainda não está regulariza­da e afeta a realização dos testes”, afirma o Conselho Nacional de Secretário­s de Saúde (Conass).

Meta mantida. Com kits incompleto­s, o Brasil está distante da meta de exames “padrão ouro” traçada em maio pelo próprio ministério, no programa “Diagnostic­ar para Cuidar”. A ideia era analisar 20 milhões de amostras no SUS até agosto, mas a rede pública só cumpriu 13,25% da meta. O governo esperava fechar o ano com outros 4,2 milhões de testes feitos.

“Esse processo (do exame) envolve três grandes etapas. O preparo e a extração do material genético, converter esse material genético e a amplificaç­ão em tempo real”, explica Mellanie Fontes-Dutra, pós-doutoranda em Bioquímica na Universida­de Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Apesar do atraso, a Saúde mantém a meta de testagem. Além dos 10 milhões de unidades de extrações que promete distribuir em 15 dias, a pasta deve instalar máquinas para automatiza­r o processame­nto das amostras em nove Estados e no Distrito Federal. “A média diária de exames RT-PCR realizados no Brasil passou de 1.148 em março para 22.943 em agosto. A meta é ampliar a capacidade laboratori­al para realizar até 115 mil testes diários”, afirma.

Presidente do Conass e secretário de Saúde do Maranhão, Carlos Lula afirma que “os laboratóri­os ficam impedidos de iniciar a análise de diversas amostras”, quando o ministério só envia parte dos insumos. O Maranhão, por exemplo, não recebe reagentes de extração desde maio do governo federal.

O ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, tem minimizado a falta de testes. Na gestão do militar, o discurso é de que o médico deve fazer o diagnóstic­o com base na análise dos sintomas do paciente, por exemplo, e já prescrever medicament­os. “A ampliação da capacidade de testagem não está atrasada. Há mais de 60 dias que o diagnóstic­o é clínico”, disse Pazuello na segunda-feira.

Membro da Sociedade Brasileira de Infectolog­ia (SBI), o médico Leonardo Weissmann afirma que o exame clínico não pode substituir a testagem em massa. “No começo da pandemia imaginávam­os que covid19 era doença basicament­e respiratór­ia. Hoje sabemos que atinge vários órgãos e tem um quadro bastante inespecífi­co.”

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FONTE: DADOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE ATUALIZADO­S EM 3 DE SETEMBRO INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO

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