O Estado de S. Paulo

China e dólar levam a alta de preços de alimentos no Brasil

Aumento do custo de itens da cesta básica faz Jair Bolsonaro apelar a ‘patriotism­o’ de donos de supermerca­dos

- Márcia De Chiara

A desvaloriz­ação de quase 40% do real nos últimos 12 meses e a decisão da China de fazer estoques estratégic­os provocaram explosão nos preços dos alimentos para o consumidor brasileiro. Isso levou, nos últimos dias, a uma negociação entre supermerca­dos e fornecedor­es para tentar conter os repasses de preços no varejo. No ano, até julho, o arroz subiu 15,7% e o óleo de soja, 8,4% – a inflação foi de 0,46%. Em 12 meses, as carnes ficaram 75,9% mais caras, o açúcar teve alta de 13,1%, o frango, de 10,8%, e o óleo de soja, de 10,7%. Em 12 meses, o índice de inflação dos alimentos no atacado foi de 15,02% e no varejo, de 8,5%. No mesmo período, a inflação do País ficou em 2,31%. Jair Bolsonaro disse ontem que não pensa em “dar canetada em lugar nenhum”, mas tem conversado com associaçõe­s de supermerca­dos para tentar baixar os preços de produtos da cesta básica. As compras chinesas de alimentos injetaram US$ 24 bilhões no Brasil entre janeiro e julho, recorde para o período.

“Estou conversand­o para ver se os produtos da cesta básica aí... Estou pedindo um sacrifício, patriotism­o para os grandes donos de supermerca­dos para manter na menor margem de lucro”

JAIR BOLSONARO

Preços dos produtos estão pressionan­do os índices inflacioná­rios e levando a uma queda de braço entre os supermerca­distas e a indústria de alimentos, mas fabricante­s afirmam que não vai ocorrer falta de alimentos; de outro lado, o agronegóci­o está faturando

O produtor de soja e milho Moacir Fala, que cultiva 20 alqueires em São Jorge do Ivaí, no Noroeste do Paraná, está rindo à toa. “Este ano não posso reclamar: deu para ganhar dinheiro”, diz. Ele já vendeu praticamen­te toda a safra de soja por um preço médio de R$ 100 a saca, 42% maior do que recebeu no ano passado, quitou as dívidas de anos anteriores e ainda sobrou dinheiro.

“Não decidi o que vou fazer com o lucro, talvez investir em tecnologia para produzir mais na próxima safra.” Para o milho safrinha que acaba de colher, mas ainda não vendeu, as perspectiv­as também são favoráveis. Na virada do mês, a saca do grão estava em R$ 61, preço recorde.

O cenário tão favorável para o campo, com safra abundante, dólar em alta e preços valorizado­s em reais, não estava no radar da maioria dos produtores que faturaram. Mas isso provocou uma explosão nos preços ao consumidor e, nos últimos dias, uma queda de braço entre supermerca­dos e fornecedor­es para conter o repasse de preço no varejo. Até julho, o arroz, por exemplo, subiu 15,7% este ano (veja quadro abaixo).

O impulso para o agronegóci­o veio do outro lado do mundo, sustentado pelo real desvaloriz­ado quase 40% nos últimos 12 meses, o que atraiu compradore­s. A China decidiu fazer estoques estratégic­os de alimentos, depois de sentir o risco de faltar comida para mais de um bilhão de pessoas por causa da paralisaçã­o provocada pela pandemia, além da constante ameaça da guerra comercial como com os Estados Unidos.

Também o país asiático tenta recompor a produção de carne de porco, um dos alimentos mais consumidos pelos chineses, depois de ter tido o plantel dizimado pela Peste Suína Africana.

A ida às compras de alimentos do gigante asiático no Brasil injetou US$ 24 bilhões no agronegóci­o, entre janeiro e julho deste ano, uma cifra recorde para o período e quase 30% maior do que a registrada nos mesmos meses de 2019. Essa voracidade nas compras de carnes bovina, suína, aves e especialme­nte na soja, que respondeu por 72% das aquisições no período, pressionou as cotações em reais desses produtos que aparecem nos índices de inflação no varejo.

“Os chineses rasparam o tacho”, diz o economista Fabio Silveira, sócio-diretor da Macrosecto­r, lembrando que o câmbio deixou o produto brasileiro competitiv­o para os chineses e este foi o grande fator de enriquecim­ento das cadeias produtivas do agronegóci­o. Nas suas contas, o ano deve fechar com US$ 35 bilhões de exportaçõe­s do agronegóci­o brasileiro para China, dos quais US$ 26 bilhões só de soja e US$ 7 bilhões de carnes.

De janeiro a julho, o Brasil exportou para China 50,5 milhões de toneladas de soja um volume 32% maior do que no mesmo período de 2019, diz Wagner Ikeda, analista sênior do Rabobank Brasil. “Entre 90% a 95% da safra de soja está vendida”, diz.

Esse movimento forte de compra da China levou a uma situação inusitada: o Brasil, o maior produtor mundial de soja, teve ampliar as importaçõe­s do grão, apesar de o volume ser uma parcela minúscula comparada à safra nacional. De janeiro a julho, o País importou 400 mil toneladas de soja, quatro vezes mais em relação ao mesmo período o ano passado.

“A importação de soja não muda nada”, afirma o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Bartolomeu Braz. Na sua avaliação, trata-se de uma jogada da indústria para reduzir o preço, que na última quinta-feira estava em R$ 127 a saca. Esse movimento de redução de preço por conta da importação não deve acontecer porque ele é formado no mercado internacio­nal. “O preço está alto porque o dólar está alto.”

Hoje 45% da próxima safra de soja que nem foi plantada está antecipada­mente vendida para compradore­s internacio­nais, diz o presidente da Aprosoja. Em épocas normais, as vendas antecipada­s estariam neste momento entre 20% e 25%.

Churrasco caro. A China foi às compras também das carnes produzidas no País. Até agora, a China respondeu por 49% dos volumes exportados pelo Brasil de carne suína, 41% das carnes bovinas e 17% da carne de frango, segundo Wagner Yanaguizaw­a, analista do Rabobank Brasil. “Os produtores com viés no mercado externo estão muito bem, estão felizes porque conseguira­m incrementa­r as margens baseado na desvaloriz­ação do real.”

No entanto, quem produz para o mercado doméstico está num cenário complicado. Isso porque o preço da matéria-prima aumentou muito e eles não estão conseguind­o ter os mesmo resultados com o consumo patinando, diz Yanaguizaw­a.

Nos últimos dias, a cotação da arroba do boi gordo atingiu a R$ 238,95, o maior valor em mais de 20 anos.

• Oportunida­de

“Os chineses rasparam o tacho (lembrando que o câmbio deixou o produto brasileiro competitiv­o).”

Fabio Silveira

ECONOMISTA, SÓCIO-DIRETOR

DA MACROSECTO­R

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IVAN AMORIN/ESTADÃO-13/6/2019 Investimen­to. Moacir Fala, produtor, quer aplicar o lucro em tecnologia par colher mais

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