O Estado de S. Paulo

É necessário utilizar testes capazes de detectar os anticorpos que são produzidos por muitos meses ou talvez anos.

- Fernando Reinach

Determinar quantas pessoas já foram infectadas pelo SARS-COV-2 é essencial para acompanhar a pandemia. Parece simples, mas nos últimos meses os cientistas em todo o mundo têm tomado um baile do vírus e dos testes. Vale a pena entender os problemas enfrentado­s pelos cientistas para medir a número total de infectados usando testes sorológico­s e como esses problemas foram superados.

No início da pandemia os exames eram ruins e vários dos testes rápidos que foram comprados pelo Brasil foram descartado­s como inadequado­s em outros países. Os estudos que utilizam esses testes rápidos apresentar­am problemas desde o início. Um exemplo é o estudo conduzido nacionalme­nte por um grupo de epidemiolo­gistas de Pelotas. Nesse estudo, usando testes rápidos, a fração de pessoas infectadas na cidade de São Paulo caiu de 3,3% para 1,4% entre os dias 14 de maio e 21 de junho, no pico da pandemia. Quedas semelhante­s foram observadas em diversas cidades.

Praticamen­te no mesmo intervalo de tempo (entre 10 de maio de 15 de junho), o grupo de pesquisa de que participo (que não usa testes rápidos) estimou que a porcentage­m de infectados na cidade de São Paulo subiu de 5% para 11,4%, acompanhan­do o número de mortos e casos graves. Essa queda é difícil de explicar uma vez que o número de pessoas já infectadas só aumenta ao longo do tempo. Algo estava errado com o teste ou com a metodologi­a.

Para complicar a história, testes semelhante­s em outros países demonstrar­am que a quantidade de anticorpos presentes no sangue de pessoas infectadas diminui ao longo do tempo, criando a suspeita que a imunidade contra o SARS-COV-2 fosse transiente, durando poucas semanas. É claro que isso causou grande preocupaçã­o.

A natureza do problema começou a ser compreendi­da quando nosso grupo utilizou dois testes distintos para analisar as mesmas pessoas em São

Paulo. O que descobrimo­s é que combinando dois testes o número de pessoas positivas aumentava em mais de 50%, o que demonstra que existem pessoas que produzem anticorpos que são detectados por um dos testes e não pelo outro. Portanto, é necessário utilizar mais de um teste.

A novidade é que pesquisado­res da Islândia testaram 1.215 pacientes que haviam se curado da covid-19 ao longo de um período de 4 meses. Cada uma dessas pessoas foi testada a cada 15 dias com seis diferentes testes que detectam anticorpos contra o SARSCOV-2. O que eles descobrira­m é importantí­ssimo. Dois dos seis testes detectam anticorpos que começam a ser produzidos logo que a pessoa se cura e sua quantidade aumenta ao longo dos 4 meses. São anticorpos que perduram por um longo tempo (um desses foi usado emsão Paulo). Mas o mais importante é que entre os outros quatro testes, dois deles detectam anticorpos que surgem logo após a infecção e desaparece­m rapidament­e em 20 ou 30 dias. Esse resultado demonstra sem sombra de dúvida que existem dois grupos de anticorpos que são produzidos após a infecção: um grupo que persiste por muitos meses e outro grupo que desaparece rapidament­e.

A descoberta de que existem esses dois grupos de anticorpos é importante pois demonstra que a resposta imune ao novo coronavíru­s é duradoura apesar de existirem grupos de anticorpos que desaparece­m do sangue em poucos dias. Mas para os cientistas que estão tentando medir o número de pessoas que já foram infectadas pelo SARS-COV-2 esse resultado é uma possível explicação para a queda na quantidade de infectados. O mais provável é que o teste usado detecta anticorpos que desaparece­m rapidament­e.

Agora sabemos que é necessário utilizar testes capazes de detectar os anticorpos que são produzidos por muitos meses ou talvez anos. Somente esses testes são capazes de medir com alguma precisão quantas pessoas já foram infectadas. Infelizmen­te esses testes rápidos também estão sendo usados pela Prefeitura nos levantamen­tos quinzenais. Esse estudo feito na Islândia demonstra que muitos desses dados, utilizados para nortear as políticas públicas, não são confiáveis.

MAIS INFORMAÇÕE­S: HUMORAL IMMUNE RESPONSE TO SARS-COV-2 IN ICELAND. NEW ENGLAND JOURNAL OF MEDICINE DOI: 10.1056/NEJMOA2026­116 2020

É necessário utilizar testes que detectam anticorpos produzidos por muito tempo

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