O Estado de S. Paulo

Tramitação de múltiplas reformas no Congresso pode abrir a porteira para “jabutis” que minam as contas públicas.

- Adriana Fernandes

Em 2017, o Congresso fervia com o debate nacional em torno da reforma da Previdênci­a. A PEC 287 tinha sido enviada pelo presidente Michel Temer no dia 5 de dezembro de 2016 no embalo da aprovação rápida da emenda do teto de gastos.

Enquanto todos os holofotes estavam voltados para as mudanças nas regras previdenci­árias, apontada na época como a solução para a crise fiscal do País, a reforma trabalhist­a foi sendo construída e aprovada sem muitos obstáculos e debates nas duas Casas e na sociedade civil.

O relator da reforma, o ex-deputado tucano pelo Rio Grande do Norte e hoje ministro do Desenvolvi­mento Regional, Rogério Marinho, propôs mudanças em 100 pontos da septuagená­ria CLT.

De repente, quando se viu, a reforma já estava pronta e rapidament­e a votação do projeto foi concluída em julho de 2017 pelo Senado. Já a PEC da reforma da Previdênci­a só saiu do Congresso aprovada após três anos da primeira tentativa do governo Temer.

Mais tarde, a estratégia de negociação da reforma trabalhist­a – à sombra da “gritaria” que acontecia na discussão da Previdênci­a – foi saudada pela base governista como extremamen­te hábil e bem-sucedida para iniciar o que as lideranças chamaram de novo ciclo de reformas estruturan­tes. Marinho perdeu a eleição em 2018, mas ganhou a parada ao ser alçado ao cargo de secretário do ministro Paulo Guedes e articulado­r principal do governo Bolsonaro para a reforma da Previdênci­a. Hoje, é um dos ministros mais influentes do governo.

No meio desse caminho, até hoje, diversas pautas-bomba e inúmeros “jabutis” foram sendo aprovados, armados e desarmados a um custo elevado para as próprias contas públicas.

Em nome de reformas para garantir a sustentabi­lidade das contas públicas, uma penca de medidas com aumento de gastos foi aprovada. Maior contradiçã­o impossível.

O caso mais recente foi a votação do congelamen­to dos salários dos servidores públicos até dezembro 2021 e das restrições ao aumento de gastos com pessoal. Foi uma batalha longa até a manutenção do veto presidenci­al pela Câmara.

Na semana seguinte, a fatura já estava sendo cobrada: a Câmara aprovou a proposta que cria o Tribunal Regional Federal da 6.ª Região, com sede em Minas Gerais. Sem falar nas categorias que correram para garantir reajustes antes do congelamen­to com as bênçãos do presidente Bolsonaro. Agora, se fala em parecer do próprio governo que flexibiliz­a as restrições impostas pela lei recém-aprovada.

A lembrança de 2017 se justifica agora porque várias propostas importante­s e polêmicas estão tramitando ao mesmo tempo. A mais ruidosa delas, e que gera debates intensos nas redes sociais, a reforma administra­tiva que mexe com o funcionali­smo público, chegou esta semana desidratad­a e com blindagem para a elite do funcionali­smo e os altos salários.

A reforma administra­tiva entrou no Congresso como resposta à pressão externa, que incluiu uma mobilizaçã­o bem articulada de uma frente de parlamenta­res e de setores da sociedade civil, mas também pela interdição branca que o setor produtivo tem feito na reforma tributária. Todo mundo diz que quer aprovar a tributária para acelerar o cresciment­o, porém, lá no fundo não é bem assim. Isso vale também para o governo que retirou o pedido de urgência para a votação da primeira fase da sua proposta de reforma enviada no mês passado.

Os maiores riscos desse cenário de múltiplas reformas e escolhas são: aprovar propostas como remendos sem eficácia alguma e abrir a porteira para a passagem de jabutis que minam ainda mais as contas do governo e também as instituiçõ­es públicas, com o aparelhame­nto da máquina pública.

Depois da pressão para o envio das reformas, o Congresso tem agora o seu próprio Big Bang para administra­r até o fim do ano. A reforma administra­tiva é só mais um item polêmico a compor a extensa agenda de propostas que estão no Senado e na Câmara sem uma definição de qual delas é de fato a prioridade número um de votação nos quatro meses que faltam para terminar 2020.

Para quem não acompanhou de perto o frenesi do noticiário econômico das últimas semanas, Big Bang foi o apelido dado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao anúncio de um pacote de medidas para a retomada da economia na fase póspandemi­a.

Reforma tributária? Reforma do “RH”? PEC do pacto federativo para corte de gastos? Renda Básica? Novos gatilhos para investimen­tos? Lei de Diretrizes Orçamentár­ias (LDO) e Orçamento de 2021? Plano Mansueto para salvar os Estados com as finanças em frangalhos em 2021?

Tudo isso junto e misturado com a disputa pelas presidênci­as do Senado e Câmara, a briga pelo protagonis­mo e as sessões ainda afetadas pela pandemia. Prato feito para a aprovação de jabutis e propostas malfeitas para “inglês ver”. Mas como inglês não é bobo nem nada, uma hora a ficha cai.

O Congresso tem agora o seu próprio Big Bang para administra­r até o final do ano

✽ É JORNALISTA

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