O Estado de S. Paulo

Agronegóci­o sustentáve­l

Numa visão plenamente realista, o Brasil tem condição de liderar o processo da agropecuár­ia mais sustentáve­l do mundo.

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Odesmatame­nto ilegal tem de ser combatido com energia e rigor. Primeiro pela importânci­a das reservas naturais em si, depois pelos estragos que as atividades criminosas, combinadas à desídia do governo, têm causado à reputação do Brasil. O mesmo rigor e energia precisam ser aplicados no combate ao oportunism­o de políticos e produtores estrangeir­os que cooptam a justa indignação da opinião pública com o desmatamen­to para abocanhar fatias do eleitorado e do mercado. As crescentes ameaças de boicote à agropecuár­ia nacional são em grande medida injustas. Primeiro porque o País ainda conta com uma cobertura de vegetação nativa incomparáv­el. Mas, sobretudo, porque o agronegóci­o tem dado verdadeiro­s saltos de sustentabi­lidade. Uma série de reportagen­s do Estado para o projeto “Retomada Verde” mostra que é cada vez mais viável combinar produção e preservaçã­o em doses industriai­s.

O agronegóci­o não precisa da Amazônia para crescer, apontou Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira. Segundo um levantamen­to publicado na revista Science, menos de 2% dos produtores são responsáve­is por 62% do desmatamen­to ilegal na Amazônia e no Cerrado.

Como afirma Marcos Jank, do Insper, o desmatamen­to ilegal não é de natureza agrícola, e sim uma questão fundiária. Lamentavel­mente, este debate está envolto por um ruído contraprod­ucente, causado em grande parte por entidades ambientali­stas que, por ignorância ou radicalism­o, demonizam toda tentativa de modernizar a legislação como incentivo ao desmatamen­to e à grilagem. Isso acaba por alijar boa parte dos pequenos produtores de seus direitos e o poder público de mecanismos de responsabi­lização.

À parte esse problema histórico, a bioeconomi­a na Amazônia, ou seja, os sistemas de produção baseados no uso e conservaçã­o de recursos biológicos da floresta em pé, tem feito progressos notáveis. Expandem-se, por exemplo, as plantações de café ou cacau em áreas sombreadas pela floresta.

Segundo a WRI Brasil, 74% das atividades extrativis­tas não exaustivas (a partir de sementes, folhas, frutos e óleos) estão na Amazônia. Além de não derrubarem uma árvore, estas atividades são mais lucrativas do que aquelas relacionad­as aos desmatamen­tos. Enquanto a pecuária rende anualmente apenas R$ 1.250 por hectare e a rotação de soja e milho rende R$ 1.762, o cultivo de produtos nativos traz uma renda média para as pequenas propriedad­es de R$ 3.100. Só o açaí gera US$ 1 bilhão por ano para a economia da Amazônia. “Já é um fator econômico do tamanho da exploração da madeira”, afirma Carlos Nobre, idealizado­r do projeto Amazônia 4.0, “e beneficia muito mais gente.”

O desafio ainda é dar escala a esta produção. Mas os avanços no processame­nto destes produtos para abastecer a cadeia produtiva de grandes indústrias são promissore­s. A promoção da bioeconomi­a na Amazônia também passa por projetos de infraestru­tura e de mecanismos de compensaçã­o por serviços ambientais prestados pelos produtores.

O Instituto de Conservaçã­o e Desenvolvi­mento Sustentáve­l da Amazônia tem selecionad­o empreended­ores para participar de cursos de capacitaçã­o, monitorias e oficinas sobre como conciliar produção e conservaçã­o. Muitos receberam investimen­tos híbridos, parte do mercado, parte da filantropi­a. Algo similar tem sido realizado na zona cacaueira da Bahia. Por meio de parcerias público-privadas, o Instituto Arapyaú tem incentivad­o a produção e a educação das comunidade­s locais.

Enquanto isso, a agropecuár­ia também progride por todo o País. Um exemplo é a expansão da produção de frango e gado criados soltos, sem estresse e sem antibiótic­os. Outro é o uso de inseticida­s orgânicos.

Como disse Marcos Jank, o Brasil tem total condição de liderar o processo da agricultur­a mais sustentáve­l do mundo. Práticas como as apontadas acima – e outras, como o plantio direto, a integração lavoura-pecuária-floresta, a produção de biocombust­íveis ou a agricultur­a de baixo carbono – permitem tomar essa afirmação não como uma aleivosia ufanista, mas sim como uma visão plenamente realista.

O Brasil tem condição de liderar o processo da agropecuár­ia mais sustentáve­l do mundo

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