O Estado de S. Paulo

Fundo bilionário motiva briga entre Maia e Guedes

Discussão sobre reserva para Estados, de até R$ 480 bi em 10 anos, acirrou desentendi­mento entre ministro e presidente da Câmara

- Idiana Tomazelli Jussara Soares / BRASÍLIA

A discussão sobre os recursos de um fundo bilionário de desenvolvi­mento regional é um dos principais motivos da briga entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Nos bastidores, Guedes avalia que há uma nova tentativa de “sangrar” os cofres da União e a ida de Maia ao Recife, anteontem, para tratar da reforma tributária com secretário­s de Fazenda do Nordeste, foi interpreta­da pelo ministro como um gesto nesse sentido.

No encontro, ocorrido pela manhã, o presidente da Câmara assumiu o papel de “árbitro” da discussão. À noite, após receber a proposta de reforma administra­tiva do governo Jair Bolsonaro, em Brasília, Maia anunciou o rompimento com Guedes, sob o argumento de que o ministro proibiu o diálogo dele com a equipe econômica.

O desejo de Estados do Norte e do Nordeste de usar uma parcela do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) para irrigar o polêmico fundo de desenvolvi­mento regional abriu uma série de divergênci­as na reforma tributária. Cálculos de governos estaduais indicam repasses de cerca de R$ 480 bilhões, em dez anos.

Secretário­s da Fazenda do Sul e do Sudeste avaliam, porém, que o dinheiro acabaria benefician­do apenas o Norte e o Nordeste, que reúnem bancadas relevantes no xadrez político do Congresso. Juntas, essas regiões têm 48 de 81 senadores e quase metade da Câmara – 216 dos 573 deputados.

“Não pode se vender a ideia de uma separação do País em dois blocos”, afirmou o secretário da Fazenda do Paraná, Renê Garcia Júnior. “Maia disse que o Congresso vai arbitrar. Mas o mais importante foi que ele concordou com o fundo. Sem o fundo, não tem como se fazer a reforma tributária, pois não vai ter mais benefícios fiscais. Como se vai viabilizar empresas no Norte e Nordeste? O grande mercado consumidor está no eixo Sudeste e Sul”, observou o secretário da Fazenda de Pernambuco, Décio Padilha.

A tentativa de evitar uma nova fatura para a União, na compensaçã­o a Estados e municípios, foi uma dos argumentos usados por Guedes para cortar a “ligação direta” entre técnicos da Economia e Maia. A interlocut­ores, o ministro tem dito que o governo não pode abrir brechas para criar “outra Lei Kandir”, que previa compensaçõ­es da União a Estados pela desoneraçã­o do ICMS nas exportaçõe­s e acabou se transforma­ndo em uma disputa judicial bilionária. O acordo, fechado apenas este ano, prevê repasse de R$ 65,6 bilhões entre 2020 e 2037.

Desgaste. Na prática, ao escancarar o confronto com Guedes e revelar até mesmo que um almoço com integrante­s da equipe econômica havia sido cancelado, Maia manifestou um sentimento cada vez mais comum no governo. As reclamaçõe­s que se estendem pela Esplanada e reverberam no Palácio do Planalto são de que o ministro e seus secretário­s tentam impor uma agenda sem considerar os cálculos políticos do próprio presidente Jair Bolsonaro, que já desenha a sua estratégia para o projeto da reeleição, em 2022.

Guedes tem acumulado reveses nas últimas semanas e, embora ninguém no governo se arrisque a dizer que ele está de saída, a avaliação é a de que os sinais de desgaste são inequívoco­s.

• ‘Reforma’

O homem que foi apelidado na campanha eleitoral de “Posto Ipiranga”, termo usado como sinônimo de que teria autonomia total, passou a ser contestado sem cerimônia. Embora Bolsonaro ainda diga que o apoio a Guedes é irrestrito, as decisões políticas têm demonstrad­o o contrário.

Em conversas reservadas, auxiliares do Planalto e ministros admitem discordânc­ias entre a vontade de Bolsonaro e a de Guedes, que afirma não caber a ele fazer as contas que possam afetar a popularida­de do governo. As principais críticas no Planalto são as de que a Economia age sem acertar os ponteiros com os demais órgãos e ministério­s, muitas vezes contrarian­do a determinaç­ão política do presidente e a orientação jurídica do governo.

A reforma administra­tiva enviada anteontem ao Congresso é citada como exemplo do descompass­o entre o governo Bolsonaro e “o governo Guedes.” Prometida desde a campanha, a proposta ficou pronta no fim do ano passado, mas foi engavetada justamente porque atingia os atuais servidores, apesar da recomendaç­ão do presidente para que isso não ocorresse.

“O mais importante foi que ele (Maia) concordou com o fundo. Sem o fundo, não tem como se fazer a reforma tributária.” Renê Garcia Júnior

SECRETÁRIO DA FAZENDA DO PARANÁ

 ?? GABRIELA BILO / ESTADÃO-21/08/2019 ?? Divergênci­as. Ministro Paulo Guedes e deputado Rodrigo Maia têm histórico de embates; o mais recente envolve um fundo de desenvolvi­mento regional
GABRIELA BILO / ESTADÃO-21/08/2019 Divergênci­as. Ministro Paulo Guedes e deputado Rodrigo Maia têm histórico de embates; o mais recente envolve um fundo de desenvolvi­mento regional

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