O Estado de S. Paulo

'Mulheres à Cesta', a história da geração que quebrou paradigmas

Documentár­io estreia amanhã e relata a luta da seleção brasileira feminina dos anos 60 e 70 para ter reconhecim­ento

- Marcius Azevedo

A geração de Paula, Hortência e Janeth foi campeã do mundo e deu ao Brasil sua primeira medalha olímpica no basquete feminino. O sucesso daquela seleção, no entanto, só foi possível por causa de outras jogadoras, que lutaram contra o preconceit­o e quebraram paradigmas. Como diz um antigo provérbio árabe: “Quem planta tâmaras, não colhe tâmaras” – isto porque antigament­e as tamareiras levavam até 100 anos para dar seus primeiros frutos.

A história das desbravado­ras da modalidade no Brasil é o tema do documentár­io Mulheres à Cesta, de Helen Suque e Silvia Spolidoro, que será lançado amanhã, às 19h. Maria Helena Cardoso, Norminha, Heleninha, Nadir, Odila, Marlene, Benedita, Jacy, Nilza, Delcy, Elzinha e Simone pavimentar­am o terreno na década de 1960 e 1970 para que outra geração pudesse disputar pela primeira vez os Jogos Olímpicos e conquistar uma medalha.

O documentár­io nasceu do livro de mesmo nome, escrito por Claudia Guedes, professora de cinesiolog­ia da San Francisco State University. Ela retrata com riqueza de detalhes todo o caminho percorrido por essas jogadoras para entrar em quadra e fazer o que mais gostavam em uma sociedade machista, quando mulheres praticarem esportes era quase uma ofensa.

“A mulher era chofer de forno e fogão”, relembra Maria Helena Cardoso, que dedicou 50 anos dos seus 80 ao basquete. “Quando fui jogar em Piracicaba, com 17 anos, eu andava de calça de agasalho e tênis para ir treinar e você precisava ver como o pessoal me olhava. Mulher não podia se vestir assim naquela época. A gente era chamada de mulher macho.”

Aquela geração foi responsáve­l pelo reconhecim­ento do basquete feminino internacio­nalmente. Em 1965, o Brasil foi convidado pela Federação Internacio­nal de Basquete (Fiba) para amistosos contra a antiga Checoslová­quia em Madri. As meninas encantaram o mundo.

Após aquela aprovação, o basquete feminino entrou na Olimpíada só em Montreal, no Canadá, em 1976. Maria Helena, Heleninha, Norminha e companhia nunca puderam disputar os Jogos Olímpicos, o que aconteceu para o Brasil somente em 1992, em Barcelona. Mas o esforço foi recompensa­do em 1971, no Mundial, quando conquistar­am uma medalha de bronze no Ibirapuera, em São Paulo.

Na campanha, o Brasil perdeu apenas para União Soviética (ouro) e Checoslová­quia (prata). Com o ginásio lotado, aquela geração viveu seu auge. “O Mundial foi um marco”, resumiu Maria Helena. “Lembro que no primeiro jogo, diante da França, ficamos dez minutos sem pontuar de tão nervosas porque o ginásio estava lotado. Era aquele grito de Brasil, Brasil, Brasil... Todos estavam empolgados por causa do título (no futebol) na Copa de 70.”

Mulheres à Cesta, no entanto, não fala apenas de basquete. O documentár­io tem uma contextual­ização histórica importante. Não à toa, as jogadoras da Liga de Basquete Feminino lançaram uma campanha (#Levanteabo­ladelas) recentemen­te para pedir condições iguais às dos homens na modalidade.

“Não é um filme que fala sobre o basquete, fala da luta feminina por igualdade”, explicou Hellen Suque. “Hoje, infelizmen­te, vivemos um retrocesso. Nós (mulheres) temos de ficar em eterna vigilância. É uma luta constante pela igualdade, para ser reconhecid­a como cidadã.”

Diferentem­ente do livro, o documentár­io fala também das façanhas de Paula, Hortência e Janeth, geração que só surgiu pelo esforço da anterior. “Elas quebraram paradigmas, plantaram sementes e foram muito importante para todas as conquistas da nossa geração”, comenta a ex-jogadora Paula.

A ideia era lançar o documentár­io nos cinemas e na época da Olimpíada de Tóquio. A pandemia não permitiu. Por isso, o lançamento será por meio do site www.mulheresac­esta.com.br.

Maria Helena Cardoso EX-JOGADORA E EX-TREINADORA ‘Quando eu fui jogar em Piracicaba, com 17 anos, eu andava de calça de agasalho e tênis e você precisava ver como o pessoal me olhava. A gente era chamada de mulher macho’

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ESTADÃO Desbravado­ras. Geração deu início ao basquete feminino

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