O Estado de S. Paulo

Planejamen­to sem paixões e intransigê­ncias

- •✽ ADRIANO PIRES DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRU­TURA (CBIE)

ACalifórni­a é referência em geração limpa e renovável de eletricida­de. Em razão disso, os recentes apagões ocorridos no Estado vêm ganhando repercussã­o no noticiário internacio­nal. O que está acontecend­o na Califórnia acende uma discussão que deveria ser feita, sem paixões e intransigê­ncias, sobre um equilíbrio entre a geração térmica e as renováveis.

A Califórnia vem enfrentand­o, em pleno período de eleições presidenci­ais, problemas graves com a falta de energia e os aumentos no preço da eletricida­de, que já é um dos mais elevados do mundo. No episódio recente, o Estado comunicou aos california­nos o planejamen­to de apagões escalonado­s, com a finalidade de administra­r a oferta e a demanda. O desequilíb­rio entre a geração e o consumo de eletricida­de surgiu da combinação de uso pesado de aparelhos de ar-condiciona­do, da indisponib­ilidade não planejada de algumas usinas de energia, da limitação da importação de energia de Estados vizinhos e da insuficien­te geração solar e eólica. Uma forte onda de calor que assolou o Estado acabou por questionar o planejamen­to do setor elétrico na opção pela alta dependênci­a das fontes renováveis.

Os defensores das renováveis no Estado enfatizam que a energia solar e a eólica se complement­am: quando o sol deixa de brilhar, o vento sopra, e vice-versa. E, ainda que um recurso renovável esteja menos disponível, as linhas de transmissã­o podem transmitir eletricida­de de outras regiões. No entanto, o forte calor empurrou a demanda california­na de energia para níveis quase recordes, a geração solar ficou indisponív­el à noite, os ventos desacelera­ram e a energia importada de outros Estados não foi suficiente.

Ficou nítida a necessidad­e de acionament­o da geração térmica para compensar a falta da geração renovável. O evento contou, ainda, com o desligamen­to inesperado de uma série de usinas de gás natural, cerca de 9GW, além da já reduzida capacidade nuclear. Olhando pelo retrovisor, o resultado parecia previsível.

O Brasil também conta com uma consideráv­el expansão das renováveis em sua matriz elétrica. Esse movimento é notável no subsistema Nordeste, que conta basicament­e com quatro fontes de oferta de energia: a eólica, a hidrelétri­ca, a termoelétr­ica e a importação dos outros subsistema­s, em especial do Norte. A entrada em operação das hidrelétri­cas da Região Norte auxilia a oferta no Nordeste, porém são fluxos sazonais, pois são usinas a fio d’água, que geram energia apenas no período úmido.

As eólicas ganharam espaço no Nordeste e foram inseridas para dar suporte num momento de forte crise hídrica enfrentada pela região. A geração eólica nordestina representa cerca de 85% da geração nacional pela fonte. Com o aumento da geração eólica e, futurament­e, da energia solar, precisamos estar atentos à intermitên­cia dessas fontes. Diante disso, sugerimos um planejamen­to que considere o suporte de térmicas a gás natural para assegurar o fornecimen­to energético. É importante a presença de termoelétr­icas flexíveis e inflexívei­s funcionand­o como uma espécie de bateria virtual garantindo a expansão das renováveis com resiliênci­a e segurança de abastecime­nto.

O gás natural – a mais limpa das

Transição para uma matriz energética 100% limpa não pode prescindir de segurança e de tarifas adequadas

fontes fósseis – cumpre o papel de backup com custo baixo e maior eficiência. Em razão disso, uma lista significat­iva de países tem adotado uma visão complement­ar entre a expansão termoelétr­ica a gás natural (flexível e inflexível) e a renovável, com a lógica do bom senso que chamamos de E, e não de OU.

Segundo o governador da Califórnia, Gavin Newsom: “Vamos ser o mais claro possível: nós falhamos em prever e planejar essas faltas – e isso é simplesmen­te inaceitáve­l”. Dois ensinament­os. O primeiro é a dúvida sobre quanto tempo ainda vamos viver a transição energética. O segundo é que uma matriz elétrica 100% limpa ainda é um desafio caro, arriscado e com incertezas sobre os caminhos que a tecnologia vai seguir. Portanto, na transição, não devemos e não podemos abrir mão da segurança energética e de tarifas adequadas ao nível de renda do consumidor. Este é o papel do gás natural e por isso é considerad­o a energia da transição.

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