O Estado de S. Paulo

Reforma administra­tiva divide opiniões

Para especialis­tas, proposta apresentad­a pelo governo terá pouco impacto nas contas públicas e que, por isso, não deveria ter prioridade

- Vinicius Neder /

Embora até possa trazer conceitos corretos e boas intenções, a proposta de reforma administra­tiva apresentad­a pelo Ministério da Economia tem pouco impacto nas contas públicas e, dada a elevada dificuldad­e para aprová-la, não deveria estar na frente na fila de prioridade­s da agenda do governo, disseram dois especialis­tas ouvidos pelo ‘Estadão’. Já o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung, que também se dedica ao tema, considera a reforma uma prioridade máxima, mas concorda que não adianta fazer mudanças apenas para novos servidores e sem incluir todos os Poderes, como foi feita a proposta do governo.

Para o consultor especializ­ado em contas públicas Raul Velloso, do ponto de vista político, a reforma administra­tiva ficou “sem pai nem mãe”, já que não é bancada nem pelo presidente Jair Bolsonaro nem pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Nesse quadro, seria melhor atacar outros problemas. “Como a energia política é escassa, em vez da reforma administra­tiva, por que não concentrar esforços em mudanças legais para facilitar a resolução dos passivos previdenci­ários dos Estados?”

Segundo o consultor, os dados fiscais mostram que os gastos com servidores da ativa não são o grande problema das contas públicas. Desde 2011, pelo menos, as despesas totais com pessoal têm sido pressionad­as pelo aumento acelerado dos gastos com os aposentado­s, enquanto o pagamento aos funcionári­os ativos está mais ou menos controlado. E a reforma da Previdênci­a não resolveu o rombo provocado pelos gastos já elevados com servidores aposentado­s, disse Velloso.

‘Fundos de pensão’. Desde a crise fiscal dos Estados com a recessão de 2014 a 2016, Velloso vem defendendo, como saída para o desequilíb­rio nas contas dos governos, a criação de fundos de pensão autônomos para os servidores estaduais, como há nas principais estatais. Alguns Estados já criaram fundos do tipo, mas apenas para funcionári­os novos. Na proposta de Velloso, novos fundos cuidariam das pensões de todos inativos e poderiam ser capitaliza­dos com imóveis ou ações de empresas estatais. A capitaliza­ção, que poderia também receber recursos da União, traria dinheiro para pagar as pensões ao longo do tempo, desobrigan­do os Tesouros estaduais a cobrir o rombo.

Para Juliana Damasceno, pesquisado­ra do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV), os “conceitos” apresentad­os pelo governo são bons e poderiam corrigir “distorções” na gestão de pessoal do setor público, mas tudo dependerá da forma como as mudanças serão regulament­adas. A Constituiç­ão de 1988 prevê a demissão de servidores por mau desempenho, lembrou a pesquisado­ra, mas até hoje o tema não foi regulament­ado por lei alguma.

O ex-governador Hartung concorda que os projetos de lei que farão a regulament­ação das mudanças são essenciais. Por isso, devem ser acompanhad­os com lupa. Hartung ainda tem esperança que o impacto da reforma administra­tiva possa ser ampliado na tramitação no Congresso, especialme­nte porque nunca viu “a sociedade tão aberta para um viés reformista” quanto atualmente. “Se a reforma quer mexer o ponteiro da qualidade de prestação de serviço público, tem de cuidar da estrutura pública que está presente nos municípios, nos Estados, na União e em todos os Poderes.”

Diante do baixo impacto fiscal de uma proposta que afeta apenas futuros servidores, Juliana, do IBRE/FGV, concorda com Velloso que seria melhor atacar outros problemas, como seguir a reforma tributária, com foco em “destravar” o dia a dia das empresas. “O governo falou que estava fazendo agora para fazer economia fiscal. só que a proposta não tem efeito no curto e médio prazos”.

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VITOR JUBINI / ESTADAO-12/12/2018 O outro lado. Para Hartung, reforma é prioridade máxima, mas deveria pegar todo servidor

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