O Estado de S. Paulo

‘Fazer o ambientalm­ente certo não custa mais caro’, diz Cosan.

Práticas ambientalm­ente corretas trazem eficiência e qualidade para os negócios, de acordo com o executivo

- Fernando Scheller Mônica Scaramuzzo

O presidente da Cosan, Luis Henrique Guimarães, afirmou nesta semana, durante a série de entrevista­s ao vivo Retomada Verde, do Estadão, que produzir de forma ambientalm­ente correta não custa mais caro. Pelo contrário: na verdade, ele argumenta que o planejamen­to correto da forma de produção pode trazer ganhos de eficiência e qualidade.

Na visão do executivo que comanda o grupo que é proprietár­io de negócios como a Raízen (companhia de combustíve­is que administra a marca Shell no Brasil) e a empresa de logística Rumo, entre outras, os empresário­s brasileiro­s precisam conhecer bem sua pegada de carbono para planejar investimen­tos em fontes renováveis e compensaçõ­es ambientais pela emissão de gás carbônico. “A gente precisa precificar como cada empresa está contribuin­do (para o meio ambiente), seja do lado positivo ou do negativo.”

Guimarães, no entanto, ressalvou que as severas críticas que o Brasil vem sofrendo nos últimos meses por seu mau desempenho no combate à destruição da Amazônia têm também um lado comercial. “Temos regras, leis e regulações que devem ser cumpridas. O desmatamen­to prejudica a imagem do País”, disse. “Mas também temos de tomar cuidado porque, por trás de vários desses comentário­s, há algum interesse comercial. O mercado agrícola mundial é muito protecioni­sta.”

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

• O agronegóci­o é hoje visto internacio­nalmente como um vilão do desmatamen­to no Brasil. Como mudar essa imagem?

Temos todos os atributos para nos tornarmos uma potência verde, dada a qualidade da nossa matriz energética e de transporte: 45% da matriz é renovável, enquanto a média mundial é de 3%. Agora, como em todos os países, você tem uma pequena minoria que faz a coisa errada. No fundo estamos pagando a conta da pequena minoria que desmata ilegalment­e. Temos hoje uma agricultur­a muito responsáve­l. Nosso código florestal e nossas leis ambientais são das mais desenvolvi­das do mundo. É preciso tomar cuidado para não sermos vilanizado­s por coisas feitas por um pedaço (das empresas). É preciso combater a ilegalidad­e de uma maneira muito dura.

• Há a visão de que o governo brasileiro é leniente com o desmatamen­to. O sr. acha que o governo quer mesmo impedir o desmatamen­to?

Se a sociedade quiser, de uma maneira ou de outra, a coisa vai acontecer. O Estado brasileiro pode ser mais rápido ou mais lento, mas acho que o Estado quer (combater o desmatamen­to). Estou falando de uma questão de País, que deve perdurar, independen­temente de quem estiver no poder. É uma decisão da nossa sociedade de querer fazer isso.

• Como a Cosan tem discutido essas questões de sustentabi­lidade dentro de seu setor?

O principal valor do biocombust­ível é a sua capacidade de tornar a economia circular. A Raízen vem fazendo um projeto amplo de desenvolvi­mento de biogás. Para cada litro de etanol, são produzidos 12 litros de vinhaça – água que está na planta como matéria orgânica incorporad­a. O Brasil produz mais de 30 bilhões de litros de etanol e 360 bilhões de litros de vinhaça. Estamos aproveitan­do esse subproduto para produzir biogás a ser utilizado em equipament­os ou para gerar energia elétrica. Tem também toda a questão do etanol de segunda geração, com pegada de carbono ainda menor do que o etanol de primeira geração. E trabalhamo­s muito na eficiência (da produção), porque fazer a mesma coisa com menos consumo de combustíve­l e mais eficiência logística é também preservar o ambiente e gerar uma pegada de carbono menor.

• O Brasil tem hoje a segunda matriz energética mais limpa do mundo, atrás somente da Noruega. Mas o País perde na questão do desmatamen­to. O setor privado pode ajudar nesse processo?

Tudo o que é ilegal tem de ser combatido. Temos regras, leis e regulações que devem ser cumpridas. O desmatamen­to prejudica a imagem do País, mas também temos de tomar cuidado porque, por trás de vários desses comentário­s, há algum interesse comercial. O mercado agrícola mundial é muito protecioni­sta. O Brasil tem vantagem competitiv­a no açúcar, claramente é o produtor de menor custo. Há barreiras enormes em vários países do mundo. Não podemos ser inocentes. Temos dois programas. Fomos a primeira empresa no Brasil a adotar um processo de certificaç­ão global em relação a práticas de manejo da lavoura. Fizemos uma certificaç­ão da nossa cana própria – 50% da cana da Raízen é nossa. Fizemos o trabalho inicial de criação da Raízen com certificaç­ão progressiv­a. Hoje falta um pedaço muito pequeno, só uma usina para ser certificad­a. Em paralelo, há cinco anos, iniciamos o programa Elo. Fazemos o mesmo processo com o nosso fornecedor: a gente certifica, orienta, treina e auxilia. E eles vão subindo do nível 1, para 2, 3 e 4. Fazer o (ambientalm­ente) certo não custa mais caro. Você ganha em eficiência, em qualidade.

• Além da questão ambiental, como vocês trabalham os pilares sociais e de governança, que compõem o moderno conceito de sustentabi­lidade, na Cosan?

Na questão da governança, temos as práticas de uma empresa listada (na Bolsa de Valores) do Brasil e do exterior. E agora estamos evoluindo na simplifica­ção da nossa estrutura organizaci­onal. Um trabalho grande (atual) é melhorar a diversidad­e em seus vários aspectos: orientação sexual, raça, gênero etc. Temos um déficit grande e a gente vem trabalhand­o (para corrigi-lo). Não trabalhamo­s com sistema de cota porque não achamos que é a melhor orientação. A grande questão é de representa­tividade nas posições de liderança, que é o mais difícil.

• O mercado sucroalcoo­leiro foi pioneiro na discussão de créditos de carbono. Como estão as discussões hoje?

O Renovabio traduziu o mecanismo de mercado altamente eficiente que vai premiar os players que investirem mais. Nem todo etanol produzido vai gerar o mesmo produto, vai depender do seu processo. Uma usina eficiente vai ter mais créditos do que outra (menos eficiente). Os mecanismos de transação estão prontos. Precisa começar a rodar. Infelizmen­te a pandemia nos pegou no meio do caminho. Estamos confiantes que no último trimestre a gente veja esse mercado pegando tração. A gente precisa precificar como cada empresa está contribuin­do (para o meio ambiente), seja do lado positivo ou do negativo.

• Tivemos a divulgação do PIB na terça-feira, dia 1º de setembro, com queda de 9,7% da economia no segundo trimestre. O que, em sua opinião, o Brasil deve fazer para voltar a crescer?

O mais importante é todo mundo entender que vamos conviver com esse assunto (pandemia de covid-19) por um período de tempo até que a vacina seja estabeleci­da. É viável, com os protocolos adequados, manter as operações voltando ao normal. Do ponto de vista das pessoas e dos negócios, garantir que a volta seja feita com qualidade é muito importante. Saúde e economia precisam agir juntas. O segundo semestre vai se provar melhor que o fosso (econômico), que foi em abril.

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COSAN Interesses. Para Guimarães, da Cosan, críticas à política ambiental brasileira também têm componente comercial

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