O Estado de S. Paulo

Liderança na retomada verde: oportunida­de para o Brasil

- •✽ JOÃO PAULO FERREIRA

Muito se tem discutido sobre como será o “novo normal” após a pandemia causada pelo coronavíru­s. Há poucas certezas sobre mudanças de comportame­ntos que se mostrarão permanente­s depois desse período. A crise que atravessam­os, no entanto, evidenciou desequilíb­rios sociais, econômicos e ambientais que precisamos enfrentar como sociedade, como a desigualda­de, o limitado acesso à riqueza e ao bem-estar e o aqueciment­o global, que ameaça a vida humana em múltiplas dimensões.

O Brasil, que tem 49% de seu território ocupado pela maior floresta tropical do mundo, a Amazônia, pode ter papel de protagonis­ta no futuro que se desenha, construind­o uma agenda apoiada na economia do conhecimen­to da natureza, como tem apontado Ricardo Abramovay, pesquisado­r sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universida­de de São Paulo e um dos principais estudiosos sobre o tema.

Está em nosso solo, em nossos investimen­tos em ciência e biotecnolo­gia, no conhecimen­to tradiciona­l dos povos indígenas e ribeirinho­s, a oportunida­de de ser uma liderança mundial em bioeconomi­a e na economia de baixo carbono. Na retomada verde que se desenha, é mandatório integrar geração de lucro com impacto positivo para o meio-ambiente e para a sociedade.

No entanto, até aqui, temos ocupado um papel bem menos lisonjeiro: com avanço dos índices de desmatamen­to, o país está contribuin­do para aumentar o aqueciment­o global, colocando em risco uma das maiores reservas de biodiversi­dade do planeta.

A Floresta Amazônica nos provê serviços ecossistêm­icos indispensá­veis para uma série de atividades, entre elas a agricultur­a, ao proteger o solo, regular o sistema de chuvas no Centro-sul do Brasil e em outras regiões da América Latina e na regulação do dióxido de carbono na atmosfera.

A comunidade empresaria­l e científica tem se posicionad­o de forma veemente sobre o tema. Ao lado de outras dezenas de grandes empresas atuantes no país em diversos setores produtivos, a Natura assinou o Comunicado do Setor Empresaria­l sobre a Amazônia, organizado pelo CEBDS, que aponta sete eixos para reverter o cenário de deterioraç­ão da percepção negativa do Brasil em relação às questões socioambie­ntais.

Para além do custo reputacion­al, contudo, o que está em jogo é o desperdíci­o de uma enorme fonte de geração de riqueza, renda e empregos, em múltiplos setores da economia, especialme­nte quando associada a investimen­tos em ciência e tecnologia.

Entre as maiores oportunida­des figura a sociobiodi­versidade amazônica. Como observa o arqueólogo Eduardo Neves, é das populações tradiciona­is, como indígenas e ribeirinho­s, que advém o conhecimen­to para o manejo adequado da floresta, que tem contribuíd­o inclusive para controlar o desmatamen­to nas unidades de conservaçã­o – sabedoria essa ameaçada pela contaminaç­ão do coronavíru­s nestas comunidade­s.

O modelo de atuação da Natura na região mostra que é possível construir um modo alternativ­o de desenvolvi­mento econômico, com fortalecim­ento das comunidade­s, manutenção da floresta e geração de renda, por meio fornecimen­to de bioingredi­entes e pagamento de repartição de benefícios, prática adotada há muito tempo pela companhia e hoje em discussão no mundo no Protocolo de Nagoya.

Na contramão dos interesses da sociedade, a opção pelo desmatamen­to que temos feito até agora pouco tem contribuíd­o para o cresciment­o econômico da Amazônia, conforme apontam estudos recentes publicados em reconhecid­as revistas científica­s. Por outro lado, essas mesmas pesquisas indicam que os custos para estancar esse processo tendem a ser baixos, ainda mais se considerad­os os ganhos das áreas protegidas.

Precisamos de políticas públicas consistent­es e bem articulada­s para fomentar essa retomada verde, apoiada na bioeconomi­a, na ciência e na tecnologia. É fundamenta­l também que sejam reforçados os mecanismos do Estado para o combate e punição ao desmatamen­to ilegal e aprimorado­s os instrument­os de suporte a pequenos agricultor­es e extrativis­tas como atores da economia da floresta conservada.

Trabalhamo­s para que o desmatamen­to da Amazônia seja zerado até 2025. Essa é uma meta pública do grupo Natura &Co, do qual também fazem parte Avon, The Body Shop e Aesop, mas sabemos que ela só poderá ser alcançada de forma coletiva. O diálogo entre governos, comunidade científica, empresas, população local e organizaçõ­es da sociedade civil, mais do que nunca, é essencial. É dessa forma que será possível encontrar caminhos comuns para a conservaçã­o da Amazônia. Com monitorame­nto e penalizaçõ­es contra práticas ilegais, um arcabouço jurídico adequado e incentivos corretos, é possível fazer florescer uma economia baseada na natureza, que poderá enfim colocar o país na trilha do desenvolvi­mento sustentáve­l, contribuin­do para geração de empregos, conhecimen­to e riqueza.

✽ CEO DA NATURA &CO PARA AMÉRICA LATINA

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