O Estado de S. Paulo

BROWN AO PÉ DO OUVIDO

Autor do best-seller ‘Código da Vinci’ lança livro e álbum de música clássica para crianças, inspirados em obra escrita há décadas

- Alexandra Alter TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Desde a explosão do seu livro O Código Da Vinci, o escritor Dan Brown ficou conhecido pelas tramas sinuosas, repletas de adrenalina, mas cerebrais, envolvendo criptograf­ia, simbologia, parceiras inteligent­es e sexy, cultos religiosos secretos e violentos, e fanáticos desequilib­rados propensos a assassinat­os em massa e destruição.

Mas seu novo livro, por outro lado, é sobre um rato maestro que recruta um grupo de animais para tocar numa orquestra, ao mesmo tempo que oferece provérbios sobre as virtudes da coragem, paciência e cooperação. O público-alvo são crianças em idade de três a sete anos.

O livro será lançado nesta semana juntamente com um álbum de música clássica para crianças chamado Sinfonia dos Animais, com composiçõe­s feitas por Brown e baseadas em canções que ele mesmo criou há 30 anos quando era um aspirante a músico, por volta dos 20 anos de idade – bem antes de publicar qualquer romance.

Na época, Brown, que hoje tem 56 anos, gravou as músicas usando sintetizad­ores em seu minúsculo estúdio. Ele produziu 500 cassetes (e livros de bolso de poesia) e os vendeu em consignaçã­o para a livraria da localidade onde morava. O álbum recém lançado têm músicas originais e outras novas, todas interpreta­das e gravadas pela Zagreb Festival Orchestra na Croácia.

O álbum é um desvio de caminho inesperado de Brown, depois de lançar sete thrillers com mais de 234 milhões exemplares vendidos que o tornaram multimilio­nário.

Sinfonia dos Animais também se tornou, curiosamen­te, um objeto de disputa numa batalha legal complicada entre Brown e sua ex-mulher, Blythe Brown, depois do seu divórcio no ano passado.

Numa ação impetrada este ano, Blythe Brown afirmou que seu ex-marido distorceu os dados do seu patrimônio durante o processo de separação e que Sinfonia dos Animais foi um dos vários projetos que, segundo ela, não foi revelado quando se separaram, acrescenta­ndo ainda que ele manteve uma “vida secreta” durante anos, ocultando um caso com uma treinadora holandesa de cavalos e as compras luxuosas que fez para sua amante, incluindo dois cavalos Frísios, um deles chamado Da Vinci. (O outro era um cavalo muito cobiçado, premiado, um garanhão preto chamado Edição Limitada estimado em US$ 345.000, segundo informação no processo judicial).

Dan Brown contestou a ação em 30 de julho, alegando difamação e injúria, e afirmando que sua ex-mulher estava disposta a “degradá-lo publicamen­te e destruir o seu legado”.

“Qualquer insinuação ou afirmação de que menti ou ocultei dinheiro é absolutame­nte falsa”, afirmou Brown em entrevista recente. “Estou realmente chocado com a decisão dela”.

Talentos ocultos. Brown conversou comigo por vídeo numa tarde de agosto, da barroca e cavernosa biblioteca em sua casa em Rye Beach, no Estado de New Hampshire, não muito longe de onde ele cresceu, no campus do internato Philips Exeter, onde seu pai foi professor de matemática.

Durante a entrevista, ele me mostrou uma câmara secreta atrás da biblioteca que esconde uma gaveta onde está seu primeiro livro, escrito quando ele

tinha cinco anos, intitulado A Girafa, o Porco e as Calças em fogo, como também um piano Steinway onde pratica seu hobby e foi sua primeira aspiração profission­al: compor músicas.

Para ter acesso ao seu estúdio de gravação, onde há um sintetizad­or conectado a um computador, ele pressiona o canto de um quadro na parede mostrando uma mulher vitoriana sentada num jardim – e uma porta escondida se abre.

As paredes do estúdio estão decoradas com discos de ouro que recebeu pelas vendas explosivas dos seus audiobooks em língua alemã – não era bem o que tinha em mente quando decidiu se tornar um músico, “mas eu os conservo”, afirmou.

O processo musical de Brown se desenvolve deste modo: ele compõe no piano, criando melodias e inserindo-as numa peça que memoriza. E toca a música no teclado conectado a um computador que lhe permite adicionar a instrument­ação, distribuin­do as frases musicais para diferentes instrument­os.

Depois, normalment­e a música fica guardada no seu cofreforte digital. Mas há dois anos, quando estava em Xangai para promover seu romance de 2017, Origem, um entrevista­dor de TV perguntou a ele sobre um antigo e esquecido projeto. O apresentad­or exibiu um exemplar do álbum infantil que ele havia gravado décadas antes, originalme­nte chamado Synthanima­ls.

“Disse a ele que estava ali para falar sobre o livro Ori- gem”, lembrou Brown. “Mas ele insistiu em falar sobre música”.

O novo projeto avançou logo depois disto. Brown ficou surpreso com o fato de seu álbum infantil vir à tona daquela maneira, num programa de TV chinês e isso causar sensação. A editora chinesa sugeriu lançálo. E seu editor americano também se interessou pelo projeto.

Assim, Brown requisitou a ajuda do projetor Bob Lord, diretor executivo da Palma Recordings e seu amigo há mais de 15 anos. Ele viajou para a Croácia para gravar com a Zagreb Orchestra e refinar a execução, fazendo pequenos ajustes nas sequências e no ritmo das músicas.

“Ele realmente sabe o que está fazendo”, disse Lord, revelando que Brown também canta. “Não é só um hobby. É crucial para sua visão artística”.

Para satisfação de Brown, a editora de música clássica Boosey & Hawkes assinou o contrato para editar suas partituras.

“Isso deu a ele uma validação como músico”, disse Mallory Loehr, vice-presidente sênior e editor da Random House Books for Young Readers Group, que está publicando o livro ilustrado através da Rodale Kids. (Será lançado também um aplicativo que toca músicas relacionad­as a cada animal, como Busy Beetles, Brilliant Bat e Happy Hippo).

Por mais surpreende­nte que esta última aventura de Brown seja para seus fãs, existem elos comuns entre sua música e escrita. Compor e escrever ficção estão intimament­e interligad­os para ele.

“Para escrever uma canção ou uma peça de música clássica você tem de compreende­r a estrutura, a tensão e o desbloquei­o. Boas frases musicais perguntam e dão respostas. Você não pode ter cinco cenas de caça consecutiv­as, da mesma maneira que não pode ter cinco fortíssimo­s consecutiv­os. É preciso haver intervalos para permitir que o ouvinte ou o leitor respire”.

O PROCESSO MUSICAL DE BROWN É ELE COMPOR NO PIANO PARA DEPOIS INSERIR NUMA PEÇA

O romance como Plano B. Daniel Gerhard Brown sempre teve uma inclinação musical. Sua mãe era professora de piano e organista da igreja e Brown já tocava piano desde pequeno. Adulto, adorava Bach, Tchaikovsk­i e Béla Bartók, e começou a compor quando tinha cinco anos de idade.

Estudou composição musical e inglês no Amherst College e, depois de formado, ficou em dúvida se seguiria a carreira de escritor ou músico. Compor música parecia “muito mais divertido”, afirmou. /

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‘Sinfonia dos animais’. Obra foi alvo de disputa jurídica entre Daniel Brown e ex-mulher

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