O Estado de S. Paulo

Bolsonaro pede patriotism­o a donos de supermerca­dos

Varejistas dizem que indústria está subindo preços dos produtos básicos e fabricante­s afirmam que aumento é fenômeno mundial

- Julia Lindner / BRASÍLIA Márcia de Chiara Talita Nascimento / SÃO PAULO

Com receio do risco de inflação, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, ontem, que tem buscado associaçõe­s de supermerca­dos para tentar baixar os preços de produtos que compõem a cesta básica. Ele ponderou que não pretende dar “canetada em lugar nenhum”, nem interferir na área econômica. O comentário foi feito durante viagem a Eldorado (SP).

“Está subindo arroz, feijão? Só para vocês saberem: já conversei com intermediá­rios, vou conversar logo mais com a associação de supermerca­dos”, disse o presidente. “Estou conversand­o para ver se os produtos da cesta básica aí... estou pedindo um sacrifício, patriotism­o para os grandes donos de supermerca­dos para manter na menor margem de lucro.”

Na mesma conversa, Bolsonaro indicou que tem receio do risco de inflação. “Não é no grito, ninguém vai dar canetada em lugar nenhum... porque veio o auxílio emergencia­l, o pessoal começou a gastar um pouco mais, muito papel na praça, a inflação vem”, declarou. “A melhor maneira de controlar a economia é não interferin­do. Porque se interferir, dar canetada, não dá certo.”

Na quinta-feira, a Associação Brasileira de Supermerca­dos (Abras) disse que o setor supermerca­dista tem sofrido forte pressão de aumento nos preços. “Conforme apuramos, isso se deve ao aumento das exportaçõe­s desses produtos e sua matéria-prima e a diminuição das importaçõe­s desses itens”, disse a associação, em comunicado. “Somando-se a isso a política fiscal de incentivo às exportaçõe­s, e o cresciment­o da demanda interna impulsiona­do pelo auxílio emergencia­l do governo federal.”

A Abras comunicou à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, sobre os reajustes de preços de itens como arroz, feijão, leite, carne e óleo de soja. A associação afirmou que a motivação foi de buscar soluções com todos os participan­tes da cadeia de fornecedor­es.

Segundo a Abras, a alta de preços tem acontecido de forma generaliza­da e repassada pelas indústrias e fornecedor­es. “A Abras, que representa as 27 associaçõe­s estaduais afiliadas, vê essa conjuntura com muita preocupaçã­o, por se tratar de produtos da cesta básica da população brasileira.”

Fabricante­s. A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) diz também em nota que, por se tratar de variável concorrenc­ial, os preços não são discutidos no âmbito da associação, mas sim individual­mente entre empresas e as cadeias varejistas.

Ainda assim, a entidade cita dados mundiais para dizer que a alta de preços de alimentos básicos é um fenômeno mundial. “Conforme relatório publicado ontem (anteontem) pela Organizaçã­o das Nações Unidas para a Alimentaçã­o e a Agricultur­a (FAO), o Índice de Preços de Alimentos da FAO atingiu a média de 96,1 pontos, revelando que a alta nos custos dos alimentos que compõem a cesta básica é um fenômeno que se constata em todo o mundo”, diz a instituiçã­o.

“No Brasil, a desvaloriz­ação cambial de mais de 30% pressiona os custos de produção da indústria. É importante ressaltar que o aumento provocado pela alta do dólar não é linear para o setor de alimentos e bebidas, pois atinge de modo diferente cada cadeia de produção”, diz a Abia.

A instituiçã­o diz ainda que não há risco de desabastec­imento no mercado interno. “As indústrias de alimentos têm trabalhado, sem parar, desde o início da pandemia para que não falte alimento na mesa do consumidor brasileiro. A alta de preços, infelizmen­te, tem afetado em maior intensidad­e a cotação de algumas matérias-primas agrícolas, devido aos movimentos mundiais de oferta e demanda”, conclui.

Preços e inflação. O economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) e coordenado­r do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), André Braz, selecionou sete produtos básicos e verificou que, em 12 meses até agosto, esses produtos subiram, em média, 28,9% no atacado e 23,8% no varejo.

A cesta selecionad­a para a análise foi composta por arroz, farinha de trigo, açúcar, frango, carne bovina, suína e óleo de soja. “Para esses itens básicos, o repasse ao consumidor foi praticamen­te integral”, diz o economista. Braz explica que a diferença de cinco pontos porcentuai­s que ainda não chegou às prateleira­s dos supermerca­dos pode ser um atraso por conta de estoques, mas inevitavel­mente será repassada ao consumidor.

Os aumentos de preços dos alimentos neste momento ocorrem sobretudo por causa da desvaloriz­ação do real em relação ao dólar, que baliza os preços desses produtos no mercado internacio­nal. Esse movimento também é impulsiona­do pela forte demanda externa por alimentos, sobretudo por parte da China. Para o presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo (Ibevar), Claudio Felisoni, os argumentos expostos pela Abras fazem sentido.

Além da alta do dólar, a associação mencionou incentivos fiscais às exportaçõe­s e o cresciment­o da demanda interna impulsiona­da pelo auxílio emergencia­l. “É um fato, mas vivemos uma economia de livre mercado, não há como controlar preços”, diz Felisoni.

Nos bastidores, a briga seria em torno das perdas de margens e quem repassaria menos as altas. “O setor supermerca­dista tem se esforçado para manter os preços normalizad­os e vem garantindo o abastecime­nto regular desde o início da pandemia nas 90 mil lojas de todo o País”, disse a Abras no comunicado.

Na opinião de Braz, da FGV, os supermerca­dos têm razão de reclamar de aumentos de preços e essa pressão não é de hoje. “A questão é que, gradualmen­te, os varejistas vêm reduzindo as margens até um ponto que não conseguem mais absorver os reajustes. Por isso, têm de aumentar os preços ao consumidor.”

• Margem de lucro

“Estou conversand­o para ver se os produtos da cesta básica aí... estou pedindo um sacrifício, patriotism­o a donos de supermerca­dos para manter na menor margem de lucro.” Jair Bolsonaro

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

 ?? CAROLINA ANTUNES/PR-4/9/2020 ?? Sem usar a Bic. Presidente Bolsonaro pediu sacrifício e disse que não vai dar ‘canetada’
CAROLINA ANTUNES/PR-4/9/2020 Sem usar a Bic. Presidente Bolsonaro pediu sacrifício e disse que não vai dar ‘canetada’

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