O Estado de S. Paulo

O imprescind­ível exercício da cidadania

- ✽ Antonio Carlos Will Ludwig PROFESSOR APOSENTADO DA ACADEMIA DA FORÇA AÉREA, É AUTOR DE ‘DEMOCRACIA E ENSINO MILITAR’ (CORTEZ) E ‘A REFORMA DO ENSINO MÉDIO E A FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA’ (PONTES)

Chamou muito a atenção o aparecimen­to de uma série de artigos divulgados no Estado, de maneira encadeada e próxima um dos outros, que envolve o tema da cidadania. Foram surpreende­ntes porque não é comum encontrar textos sobre esse importantí­ssimo assunto em jornais diversos, particular­mente nos mais destacados do País.

O primeiro deles emergiu em 8 de agosto, sob o título Os dilemas da cidadania. As principais ideias expostas dizem respeito ao conceito de cidadania com base nos referencia­is liberal e comunitari­sta, aos problemas a serem enfrentado­s no atual século e à proposta de uma agenda para a cidadania voltada para o afrontamen­to de alguns desafios relevantes e urgentes.

O segundo apareceu logo no dia seguinte e recebeu como epígrafe A construção da cidadania. Esse escrito defende a concepção comunitari­sta de cidadania em decorrênci­a da intensific­ação das desigualda­des econômicas e do recrudesci­mento das polarizaçõ­es políticas, tendo em vista a construção de um Estado Democrátic­o vigoroso por meio da contribuiç­ão de cada um no âmbito da sociedade, a qual vai além da mera participaç­ão em processos eleitorais. A educação aí aparece como elemento fundamenta­l para forjar um cidadão responsáve­l e atuante.

O terceiro também surgiu no dia posterior, com a denominaçã­o A imprescind­ível educação cívica. Nele se encontra colocado que a atual crise, acirrada pela pandemia, tem um caráter mais amplo e longevo e é consequent­e da ignorância cívica, que se mantém graças ao descaso da educação, pois ela não tem fornecido o preparo suficiente às pessoas para o envolvimen­to no debate político destinado à busca de compatibil­idades e consensos. Ressalta que nosso país possui todo o aparato necessário para o bom funcioname­nto da democracia, porém a participaç­ão popular deixa muito a desejar.

O quarto veio à tona no dia 22 e intitulou-se A batalha do século. Ele supõe a existência de um visível confronto entre a emergência de surtos autocrátic­os e as manifestaç­ões favoráveis à democracia, observando que atualmente existem mais regimes não democrátic­os do que democrátic­os. Lembra que o fenômeno da erosão democrátic­a aparece como o grande responsáve­l pelo avanço da autocracia e ressalta que o emprego de medidas autoritári­as vem crescendo. Alerta, então, que o momento exige o emprego da luta.

O quinto emergiu no dia seguinte com o título de A ‘grande tenda’. Nele é enfatizada a recessão democrátic­a mundial, revelada pela perda de pontos de muitos países, o Brasil incluído, na escala de maturidade democrátic­a. É feita uma proposta de mobilizaçã­o dos cidadãos e das instituiçõ­es para a defesa dos valores democrátic­os e de acolhiment­o num determinad­o espaço daqueles que se encontram dispostos a realizar o exercício do diálogo. Nesse mesmo dia foi feito também o lançamento da relevante campanha Vem Pensar Com a Gente, que tem por objetivo convidar todos os interessad­os a debater temas importante­s para o Brasil com vista à construção de uma nova era. Parece que esses cinco editoriais foram escritos principalm­ente para servirem como pilares sustentado­res dessa campanha.

Apesar da concordânc­ia em relação às colocações expostas, apoiadoras da meritória campanha em andamento, vale fazer algumas observaçõe­s.

O conceito comunitari­sta de cidadania adotado tem um caráter ativo voltado para o desempenho na esfera pública. Embora ele conceda mais valor à democracia participat­iva do que à representa­tiva, pende quase que totalmente para o lado das conciliaçõ­es pacíficas. Muitas vezes se faz necessário realizar ações legais mais veementes, e conflituos­as, para concretiza­r as mudanças sociais almejadas, conforme defendem os seguidores da democracia radical e os partidário­s do socialismo democrátic­o.

Quanto à crença na educação formal para forjar esse tipo de cidadão ativo, cabem outras observaçõe­s. Um dos editoriais propõe a conscienti­zação das pessoas a respeito das suas múltiplas identidade­s por meio do fornecimen­to de um repertório intelectua­l que sirva para compatibil­izá-las e, mais, como estímulo ao desenvolvi­mento de um senso moral orientado para o bem comum. Outro sugere a inclusão no currículo escolar das artes liberais e o incremento da Educação Moral e Cívica, que num terceiro contém seus objetivos de identifica­r os limites do poder, de compreende­r o funcioname­nto das instituiçõ­es e o espírito da Constituiç­ão e de participar do debate político. Sem dúvida, é possível ampliar essa relação. Ressalte-se, entretanto, que tal anseio não encontra ressonânci­a na área educaciona­l, pois os educadores brasileiro­s ainda não puseram a formação para a cidadania como meta relevante para todos os níveis de ensino.

É possível que esta importante campanha do Estado colabore significat­ivamente para a emergência de debates sobre o significad­o de cidadania e as maneiras como um cidadão pode e deve ser formado.

A formação de cidadãos não é meta relevante de educadores em todos os níveis de ensino

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