O Estado de S. Paulo

Tese que permitiu foro a Flávio opõe Turmas no STF

Colegiados têm posições divergente­s sobre decisão que manteve caso das ‘rachadinha­s’, que cita o senador, no Tribunal de Justiça do Rio

- Rafael Moraes Moura

A tese dos “mandatos cruzados”, usada pela defesa de Flávio Bolsonaro (Republican­os-rj) para manter o foro privilegia­do no caso das “rachadinha­s” – cujos fatos investigad­os são anteriores ao mandato de senador –, divide as duas turmas do Supremo Tribunal Federal. Enquanto na Primeira Turma o entendimen­to já foi rechaçado em julgamento­s anteriores, na Segunda, que vai apreciar o caso, há precedente que pode ajudar o senador em sua tentativa de escapar da primeira instância – onde a investigaç­ão estaria nas mãos do juiz Flávio Itabaiana, que tem fama de “punitivist­a”.

Embora a Corte já tenha restringid­o, em 2018, o foro a políticos para crimes cometidos no exercício do mandato e em função do cargo, os magistrado­s ainda precisam definir o que internamen­te tem sido chamado de “pontas soltas” da decisão. Uma delas diz respeito à situação de parlamenta­r que deixa de ocupar o cargo e, na sequência, assume outro.

É a situação, por exemplo, dos deputados federais Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Aécio Neves (PSDB-MG), que trocaram o Senado pela Câmara, e de Flávio, que emendou o cargo de deputado estadual com o de senador. Essa condição levanta a seguinte discussão: quando o crime investigad­o diz respeito ao mandato anterior, o político que mudou de função pública segue tendo direito ao foro daquele cargo antigo?

Para o Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), a resposta foi “sim”, ao garantir foro a Flávio nas investigaç­ões sobre suposto esquema de “rachadinha­s” (devolução de parte dos salários de servidores) na Assembleia

Legislativ­a do Rio. Pela decisão, Flávio será julgado pelo Órgão Especial do TJ, onde os deputados estaduais do Rio têm foro, ainda que o parlamenta­r não ocupe mais esse cargo. Em resposta ao Supremo, o TJRJ alegou que a decisão não é “absurda, inadequada, desrespeit­osa ou ofensiva à jurisprudê­ncia consagrada do Supremo Tribunal Federal”.

Se Flávio fosse julgado pela Primeira Turma, no entanto, as chances de garantir o foro seriam praticamen­te nulas, avaliam integrante­s do STF ouvidos reservadam­ente pela reportagem. Há uma série de decisões e julgamento­s que rechaçam a tese da manutenção do foro no caso dos “mandatos cruzados” nesse colegiado, composto pelos ministros Luiz Fux, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Na Segunda Turma, formada pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowsk­i, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Celso de Mello, o cenário é mais favorável.

Precedente. No caso de Flávio foi usado como precedente um julgamento da Segunda Turma que beneficiou Gleisi, mantendo a investigaç­ão no STF, mesmo após a petista deixar o Senado e assumir o cargo na Câmara dos Deputados. A situação dela, no entanto, tem uma diferença: tanto o atual cargo quanto o antigo possuem foro no Supremo. No caso de Flávio, o foro do atual cargo (senador) é no STF, mas o da função antiga (deputado estadual) é no TJ-RJ.

Integrante da Primeira Turma, o ministro Marco Aurélio Mello enviou no ano passado para a primeira instância um inquérito que investiga Aécio. Na avaliação dele, o caso não se enquadra no novo alcance do foro porque diz respeito ao cargo anterior, não ao atual. “A prerrogati­va já contraria o princípio do tratamento igualitári­o. A interpreta­ção há de ser estrita”, disse o ministro.

O Estadão apurou que integrante­s do STF já discutem nos bastidores a possibilid­ade de, no julgamento de Flávio, algum ministro pedir para que o caso seja levado ao plenário, o que reduz as chances de Flávio.

Para o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, há diversas situações que “não foram ainda pacificada­s pelo Supremo Tribunal Federal”. Foi essa a posição da PGR em parecer enviado no mês passado ao STF, ao defender a rejeição de uma ação contra o foro de Flávio.

A defesa de Flávio disse que é saudável para o País “que os entendimen­tos sobre questões jurídicas relevantes sejam sempre uniformiza­dos”. “O STF já tocou no assunto, mas, como Corte, os ministros nunca decidiram a controvérs­ia. Somente as Turmas possuem decisões a esse respeito e, ainda assim, conflitant­es”, afirmou o advogado Rodrigo Roca.

NA WEB

Entenda. Flávio questiona foro e busca a apreensão em loja estadao.com.br/e/flaviodefe­sa

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO-07/09/2020 Investigaç­ão. Flávio no Planalto, no 7 de Setembro; TJ do Rio concedeu foro ao senador

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