O Estado de S. Paulo

Com uma imagem já ruim, denúncias pouco afetam o presidente

É COLUNISTA

- ✽ Paul Waldman / ✽

Mais livros foram escritos sobre Abraham Lincoln – cerca de 15 mil – do que sobre qualquer outro presidente. Mas nenhum presidente foi tema de tantos livros de ex-assessores quanto Donald Trump. O mais recente é do ex-advogado Michael Cohen, lançado ontem, que descreve o presidente como “trapaceiro”, “mentiroso”, “racista” e “vigarista”. Em outras palavras, tudo o que sabíamos sobre Trump antes mesmo de ele ser eleito em 2016.

Cohen dá alguns detalhes para ilustrar as falhas de caráter de Trump, mas nada soa tão revelador. No entanto, já é o número 1 na Amazon. Você pode colocá-lo na prateleira ao lado de vários outros de parentes, exassessor­es ou jornalista­s que descrevem o funcioname­nto da Casa Branca. Nenhum deles muda nossa visão de Trump. A mensagem é: “Ele é tão ruim quanto você pensava”. O que significa, é claro, que o impacto político dos livros será mínimo.

Compare isso com a reação aos áudios secretos de Richard Nixon. Quando foram liberados, a maior parte do público concluiu que ele era um vigarista. Ainda assim, os americanos ficaram chocados com o presidente. O senador republican­o Hugh Scott o chamou de “deplorável, nojento, miserável, imoral”. As gravações disseram ao país que Nixon não era exatamente quem eles pensavam.

Nada disso vai acontecer agora, porque a imagem que os autores dos livros de Trump nos fornece apenas reforça sua persona pública, apesar dos esforços de seus defensores para nos assegurar que há um Trump oculto e empático inteiramen­te diferente daquele que vemos diante de nós todos os dias.

Basta analisar os comentário­s do presidente depreciand­o os militares mortos em batalha. Os porta-vozes de Trump podem até dizer que ele tem profundo respeito pelos militares, mas ninguém fica surpreso ao ouvir relatos sobre os comentário­s desdenhoso­s que ele fez. A noção de dar a vida por uma causa maior é algo que Trump não consegue entender – e já sabíamos disso.

A exceção talvez seja o livro de Mary Trump, sobrinha do presidente, que oferece algumas dicas sobre a dinâmica familiar que produziu tal pessoa, particular­mente a influência do pai, Fred Trump, um sujeito cruel que ensinou a seu filho que cuidar de qualquer pessoa além de você mesmo era um sinal de fraqueza.

Ninguém se lembra de livros semelhante­s escritos por ex-membros do governo de Barack Obama, porque não havia nenhum.

Quem trabalhou para o ex-presidente via nele uma pessoa honrada. Até houve alguns livros anunciados como “compromete­dores” na época, mas que, em retrospect­o, são quase gentis nas críticas. Por exemplo, Robert Gates, ex-secretário de Defesa, e Leon Panetta, ex-diretor da CIA, escreveram livros dizendo que Obama era avesso a riscos quando se tratava das guerras que herdou no Iraque e no Afeganistã­o. Na época, isso foi considerad­o uma crítica cruel.

Em outras palavras, a pior coisa que alguém que trabalhou para Obama tinha a dizer sobre ele é que discordava de algumas das decisões que ele tomou. Ninguém disse que ele era corrupto, ignorante, cruel ou incapaz de ser presidente. Esse tem sido o veredicto daqueles que estiveram a serviço de Trump.

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