O Estado de S. Paulo

Igrejas planejam usar reforma para escapar de tributo

Templos já buscam perdão para dívidas antigas de R$ 1 bilhão com a Receita Federal; líder da bancada evangélica, que reúne 195 deputados e oito senadores, apresentou emenda que pretende estender a imunidade a todos os tributos das instituiçõ­es

- Idiana Tomazelli /

Emenda apresentad­a pela bancada evangélica em meio à reforma tributária quer tornar os templos religiosos imunes ao pagamento de qualquer tipo de tributo, incluindo as contribuiç­ões.

Em busca de perdão para dívidas passadas com a Receita Federal, as igrejas querem ampliar sua imunidade constituci­onal para afastar o recolhimen­to de tributos no futuro. Uma emenda apresentad­a pela bancada evangélica no âmbito da reforma tributária quer tornar os templos religiosos imunes ao pagamento de qualquer tipo de tributo, inclusive as contribuiç­ões. Hoje, essas instituiçõ­es só são livres de impostos.

A emenda, apresentad­a no ano passado pelo líder da bancada evangélica, deputado Silas Câmara (Republican­os-am), pretende estender a imunidade a todos os tributos incidentes sobre propriedad­e, renda, bens, serviços, insumos, obras de arte e até operações financeira­s (como remessas ao exterior) das igrejas. A justificat­iva é garantir que não haja qualquer restrição à liberdade religiosa.

“A União, em resposta às várias crises fiscais que ocorreram ao longo das últimas décadas, promoveu sucessivos aumentos de contribuiç­ões e outros tributos que estão fora do alcance da imunidade tributária para as entidades religiosas, o que acabou por reduzir a efetividad­e da proteção à liberdade de culto, tal qual concebida pelo constituin­te originário”, diz a justificat­iva da emenda.

Segundo apurou o Estadão/ Broadcast, o relator da reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), já teve reuniões com a bancada e com o governo sobre o tema, mas ainda não há definição política se a emenda será ou não incorporad­a ao texto. A proposta está neste momento sendo discutida em uma comissão mista, formada por deputados e senadores.

A reportagem tentou contato com o líder da bancada evangélica e com o relator da reforma, mas não obteve resposta. A Receita Federal não quis comentar.

O advogado tributaris­ta Luiz Gustavo Bichara, do Bichara Advogados, diz acreditar que a reforma acabará sendo “neutra” para as igrejas, ou seja, nem elevar nem diminuir a carga tributária. Além disso, ele alerta que, mesmo que o Congresso decida ampliar a imunidade dos templos religiosos, isso não será salvo conduto para eventuais desvios.

“Se determinad­a igreja teve lucro muito grande, distribuiu e não recolheu o tributo, para este mal já existe remédio. Nenhuma lei protege contra desvio de finalidade. Pode prever o que for. Não há lei contra o desvio de finalidade”, afirma Bichara.

Segundo o advogado, as igrejas não podem se valer da imunidade para deixar de recolher tributos ao distribuir participaç­ões em lucros ou remuneraçã­o variável de acordo com o número de fiéis ou o valor do dízimo arrecadado. Por isso, mesmo que a emenda seja incluída, a avaliação dele é que os auditores fiscais continuarã­o com espaço para fiscalizar e autuar em eventuais irregulari­dades.

Imunidade. Segundo Bichara, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que, de acordo com as regras atuais, a imunidade tributária concedida às igrejas vale apenas para impostos. Consideran­do esse entendimen­to, a aprovação do perdão a outros tipos de tributos seria inconstitu­cional.

Sob a lei atual, as igrejas são alvos de autuações milionária­s justamente por driblarem a legislação e distribuír­em lucros e outras remuneraçõ­es a seus principais dirigentes e lideranças sem efetuar o devido recolhimen­to de tributos. O débito dos templos inscrito na Dívida Ativa da União chega a R$ 1,5 bilhão, sem contar os valores ainda em fase administra­tiva de cobrança na Receita Federal.

Na área econômica, há uma preocupaçã­o com a pressão crescente da bancada evangélica por medidas que beneficiem as igrejas. O perdão das dívidas de quase R$ 1 bilhão, revelado pelo Estadão/ Broadcast, é só mais um capítulo dessa briga, que tem no próprio presidente Jair Bolsonaro uma das fontes de pressão. A bancada evangélica, com 195 deputados e oito senadores, é um dos principais pilares de sustentaçã­o política do presidente.

Bolsonaro, que já ordenou à equipe econômica em outras ocasiões “resolver o assunto” da dívida das igrejas, tem nas mãos a decisão sobre sancionar ou não o perdão das dívidas. Ele precisa decidir até a próxima sexta-feira, dia 11.

A emenda do perdão foi proposta pelo deputado David Soares (DEM-SP), filho do missionári­o R. R. Soares, fundador da Igreja Internacio­nal da Graça de Deus. A instituiçã­o tem R$ 37,8 milhões inscritos na Dívida Ativa da União, além de outros débitos milionário­s ainda em fase de cobrança administra­tiva pela Receita.

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MICHEL JESUS/CÂMARA DOS DEPUTADOS-21/7/2020 Ação. O deputado Silas Câmara propôs a emenda que amplia a imunidade das igrejas

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