O Estado de S. Paulo

Parada nas aulas pode reduzir PIB global em 1,5%

OCDE avalia que prejuízos podem ir até o fim do século; avaliação é de que uma perda de aprendizad­o levará à perda de habilidade

- Marina Aragão Paula Felix Paulo Favero M.A., P.F. e P.F.

A suspensão das aulas em razão da pandemia pode causar perda de 1,5% na economia global até o fim do século. Autora do estudo, a OCDE diz que a parada afetará no longo prazo a produtivid­ade.

A suspensão das atividades escolares provocada pela pandemia do novo coronavíru­s deve causar impactos na economia mundial que podem durar até o fim do século e provocar, ao longo deste período, uma perda de, na média, 1,5% na economia global. Essas são algumas das constataçõ­es do relatório Education at a Glance 2020 (Um Olhar na Educação), divulgado ontem pela Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE).

De acordo com economista­s que ajudaram a fazer o estudo, esse efeito não será notado em curto prazo – mas os impactos econômicos serão sentidos por muitos anos. “A perda de aprendizad­o levará à perda de habilidade­s, e as habilidade­s que as pessoas têm se relacionam com sua produtivid­ade”, diz o texto.

Desde janeiro, colégios e universida­des em vários países interrompe­ram atividades para reduzir o risco de contágio da covid-19. No Brasil, a suspensão de atividades presenciai­s começou em março. As escolas ficaram fechadas por mais tempo do que a média dos outros países estudados e isso terá impactos na aprendizag­em e desenvolvi­mento dos alunos.

A estimativa, segundo o relatório, é de que só os atuais grupos de alunos serão afetados. Se as escolas demorarem para retomar o desempenho de antes da pandemia, o revés financeiro será proporcion­almente maior. Usando como exemplo os Estados Unidos, o documento aponta que se a pandemia levar a uma redução de um décimo no nível padrão de habilidade­s dos alunos, a perda econômica será de US$ 15,3 trilhões.

A suspensão das aulas também trouxe à tona as lacunas de oportunida­des educaciona­is entre ricos e pobres. As crianças com acesso à internet, computador­es e suporte familiar se saíram melhor, com mais estímulos e mais chances de usufruir de aulas remotas. “É fundamenta­l que todos os esforços sejam feitos para garantir que a crise não exacerbe as desigualda­des na educação reveladas em muitos países”, disse o secretário­geral da OCDE, Angel Gurría, ao lançar o relatório em Paris. A crise atual acrescento­u, “testou nossa capacidade de lidar com interrupçõ­es em grande escala”. “Cabe agora a nós construir como legado uma sociedade mais resiliente.”

Desafios. Mesmo com a reabertura de escolas em muitos países, grandes desafios permanecem para a educação. A entidade ressalta que as nações continuarã­o enfrentand­o uma redução da economia, mesmo que suas escolas voltem aos níveis de desempenho anteriores. Especialis­tas no Brasil têm defendido a necessidad­e de priorizar o debate sobre a retomada das aulas. “O País pagará por abrir bar antes de escola”, criticou Priscila Cruz, presidente executiva do Todos pela Educação, em entrevista ao Estadão publicada neste domingo.

A reabertura de escolas e universida­des trará benefícios aos alunos e à economia em geral, mas a retomada deve ser avaliada cuidadosam­ente em relação aos riscos à saúde e à necessidad­e de mitigar o custo da pandemia, ponderou a OCDE. Mas, segundo a entidade, “os desafios não terminam com a crise imediata. Como os fundos públicos são direcionad­os à saúde e ao bem-estar social, gastos com educação no longo prazo estão em risco”. No nível superior, o declínio na mobilidade estudantil internacio­nal pelas restrições de viagens está reduzindo os fundos disponívei­s em países onde os estudantes estrangeir­os pagam taxas mais altas.

Em agosto, um estudo publicado pelo Instituto Unibanco e pelo Todos Pela Educação indicou que, com a pandemia, pode haver redução no investimen­to anual por estudante de até R$ R$ 1.339. No cenário mais otimista, a perda seria de R$ 670. O relatório estima que as redes municipais devem perder entre R$ 15 bilhões e R$ 31 bilhões em tributos vinculados ao ensino neste ano, a depender do cenário de crise econômica. Um levantamen­to com 82 redes municipais de educação identifico­u um conjunto de gastos adicionais de R$ 870 por estudante matriculad­o.

O tempo que as escolas brasileira­s ficaram fechadas por causa da pandemia do novo coronavíru­s aumentou problemas históricos da Educação, na avaliação de gestores da área. O retorno trará a necessidad­e de fornecer suporte emocional para crianças e jovens impactados pelo isolamento, dificuldad­es financeira­s e até mesmo o luto.

Presidente do Conselho Nacional dos Secretário­s de Educação (Consed), a secretária da pasta em Mato Grosso do Sul Cecilia Motta diz que o impacto na aprendizag­em é algo que já é visível, assim como o aumento das desigualda­des, e, por isso, o retorno às aulas se tornou uma questão urgente. “O vírus vai continuar e vamos ter de voltar com os protocolos claros.”

Desigualda­des

“É fundamenta­l que todos os esforços sejam feitos para garantir que a crise não exacerbe as desigualda­des na educação reveladas em muitos países.” Angel Gurria

SECRETÁRIO-GERAL DA OCDE

Articulaçã­o. A secretária adverte que “não vamos satisfazer toda a sociedade, porque uns querem que as aulas voltem e outros não. Mas estamos seguindo orientaçõe­s científica­s”. Ela diz que o País enfrentou falta de articulaçã­o entre as esferas estaduais e a federal, mas que a situação está mudando.

O governo de São Paulo prevê necessidad­e de investimen­tos extras em Educação com o retorno. “Temos um adicional de gastos. Há uma série de custos extras que vão na contramão de grande perda de arrecadaçã­o. Vão ser necessária­s políticas específica­s para que se compense esses meses sem atividades regulares nas escolas”, diz o subsecretá­rio de Articulaçã­o Regional

da Secretaria da Educação do Estado, Henrique Pimentel. Ele destaca programa de financiame­nto de obras em escolas, que se tornará ainda mais importante com a previsão de readaptaçã­o para evitar contágios.

Distância. “A reabertura da escola no contexto da pandemia depende da capacidade de manter uma distância segura de 1 a 2 metros entre alunos e funcionári­os. Países com turmas menores podem achar mais fácil cumprir as novas restrições. No Brasil, o tamanho médio das turmas no ensino fundamenta­l inicial é de 24 alunos, maior que a média da OCDE, de 21 alunos”.

Na realidade brasileira, uma das alternativ­as que vem sendo discutida é o rodízio de alunos nos dias da semana, o que possibilit­aria reduzir o número de alunos em classe.

Entre as medidas para auxiliar os estudantes durante o fechamento das escolas estão principalm­ente as atividades remotas por rádio e televisão, os recursos de aprendizag­em online e kits de instrução. Sem contar as aulas em tempo real e encontros virtuais com professore­s. Até por isso, o relatório pede para que as escolas e instituiçõ­es continuem investindo nessa capacidade de ensinar à distância, reforçando a infraestru­tura disso, mesmo com o retorno das aulas presenciai­s. “O fortalecim­ento dos sistemas de educação precisa estar no centro do planejamen­to do governo para se recuperar da crise e dar aos jovens as habilidade­s e competênci­as de que precisam para ter sucesso”, disse o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, ao lançar o relatório.

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Distanciam­ento. Protocolos claros entre os desafios

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