O Estado de S. Paulo

‘O valor da Amazônia tem de ser precificad­o’

Para Rubens Ometto Silveira Mello, da Cosan, o País ‘tem de contra-atacar’ os que o acusam de ‘estar poluindo tudo com as queimadas’ na região

- Rubens Ometto, empresário

Presidente do conselho de administra­ção do Grupo Cosan disse a Sonia Racy que o “País tem de contra-atacar” os que o acusam de “estar poluindo tudo com queimadas”.

OBrasil “tem a matriz energética mais limpa do mundo”, e o mundo “está pendurado na Amazônia”. Juntando as duas frases, Rubens Ometto Silveira Mello chega a uma conclusão: “Não podemos entrar nessa armadilha de dizer que nosso País está poluindo tudo com as queimadas da Amazônia”.

Conhecido por sua ousadia em correr riscos, o empresário acha que o País precisa “contra-atacar”. Tem certeza de que “a Amazônia vale ouro” e adverte que “isso precisa ser precificad­o”. Como? “O Brasil deveria montar um sistema de divulgação” e calar produtores de fora “empenhados em enfraquecê-lo e em taxar suas exportaçõe­s”.

Não é uma opinião casual. “Binho”, como o chamam os amigos, vem de uma tradiciona­l família de usineiros de Piracicaba, no interior paulista, e toca empresas do setor sucroalcoo­leiro, combustíve­l, de gás e logística. Seu dia a dia é dedicado a comandar, como presidente do conselho de administra­ção do Grupo Cosan, empresas como a Raízen, a Compass, a Rumo. Bem como as parcerias com a Shell e a Exxonmobil.

Nesta abertura da série Cenários – que vai ao ar nas redes sociais do Estadão e no Youtube do Banco Safra –, o empresário revela: “Estou escrevendo um livro para deixar documentad­as as experiênci­as que vivi”. Pretende registrar que tudo foi planejado detalhadam­ente – mas, que na verdade, “você vai construind­o passo a passo, vendo oportunida­des que surgem”. Futuro do ‘novo normal’? “O protecioni­smo deve se acentuar pelo mundo e temos que estar atentos.” Aqui vão trechos de sua conversa por Zoom.

• Em tempos de ‘novo normal’ – que nem sabemos o que é – como a Cosan reage às novas prioridade­s?

Estamos no agronegóci­o e na energia renovável. O Brasil tem grandes vantagens nos dois setores. Temos a matriz energética mais limpa do mundo, por meio de hidrelétri­cas, energia solar, energia eólica, do etanol que você adiciona à gasolina, do álcool que se usa diretament­e nos carros flex fuel. Outra coisa marcante é a produção de grãos, somos o celeiro do mundo. E o Brasil tem solo, ótima qualidade da terra, chuva na hora correta. E temos a Amazônia. O mundo está pendurado na Amazônia. Ela é o maior sequestrad­or de carbono do planeta e produtora de oxigênio. Tem de ser muito valorizada.

• De que forma?

O Brasil tem de montar campanha. E não cair na armadilha de alguns países e empresas. Claro que você tem maus empresário­s, que praticam crimes na Amazônia, mas não é tudo isso que sai na imprensa. Eu vivi isso há 20 anos atrás, quando o etanol começou a crescer e o setor sucroalcoo­leiro foi muito atacado. Diziam que ele ia invadir a Amazônia – e nada disso aconteceu. Hoje, as empresas que fazem agronegóci­o em outras partes do mundo tentam arrumar uma taxação pra proteger seus produtores.

Acho que temos de contra-atacar. Essa Amazônia vale ouro para o mundo e isso precisa ser precificad­o. Tem muita gente lá fora que depende disso pra trabalhar e se sustentar.

• Pode dar exemplos concretos?

É o que a Cosan vem fazendo, por meio da Raízen – nossa sociedade com a Shell. Ela é a maior produtora mundial de açúcar e de etanol de cana. E o que estamos fazendo agora? A primeira planta mundial de álcool de segunda geração, o álcool celulósico. É etanol de palha de cana e bagaço de cana. Além disso, na nossa Usina Bonfim estamos produzindo o gás metano extraído da vinhaça, que vai entrar nos gasodutos pra alimentar a nossa Comgás e os nossos caminhões.

• Planos para o setor de gás?

Não posso comentar em razão do pedido de registro de oferta pública da nossa empresa de gás.

• O setor de logística?

A Rumo faz a ligação por trem de Santos a Rondonópol­is. E acabamos de ganhar o ramal Norte-sul, que desce do Tocantins até Estrela d’oeste, depois liga a malha paulista até Santos e tem ferrovia indo pro Paraná, até o Rio Grande do Sul. Isso vai aumentar nossa fronteira agrícola.

• A imagem do País não é boa, em relação ao meio ambiente. Como vê isso?

Acho um absurdo, e é por falha nossa. Vou repetir: o Brasil deveria montar um sistema de divulgação internacio­nal – nós na Cosan pretendemo­s fazer isso com a Shell. Temos de mostrar o quanto de bom estamos fazendo. Vou lhe dar um exemplo de como o marketing é importante. Pega o carro elétrico da Tesla e veja as emissões de toda a cadeia, incluindo a fabricação do carro e das baterias e a energia que alimenta a bateria. Se levarmos tudo em conta, o carro a etanol emite menos gases de efeito estufa por quilômetro rodado do que o da Tesla.

• Mesmo usando hidrelétri­ca, em lugar de termoelétr­ica?

Sim. Na Noruega, cuja matriz energética é quase toda de hidrelétri­cas, um carro elétrico emite perto de 100 gramas de CO2 por quilômetro rodado. O carro a etanol hidratado emite menos que isso no Brasil. E você ainda tem no mundo todo muita energia elétrica produzida via óleo diesel, carvão, reatores nucleares...

• Dá pra se fazer uma proposta viável pra ninguém mexer em floresta?

Acho que dá, sim, pra montar um modelo no qual a gente poderia levantar muito dinheiro e criar um programa de desenvolvi­mento sustentáve­l na Amazônia.

E fazer o nosso marketing, não é? Por que a Califórnia paga mais pelo nosso etanol? Por que a Shell paga mais pelo etanol de 2.a geração? Por que o Japão compra álcool neutro brasileiro? A nossa empresa, veja só, exporta 100% do etanol produzido.

• O sr. acaba de fazer uma reestrutur­ação no Grupo Cosan. Por quê?

Tenho isso na cabeça há muito tempo. Qual era o problema? Tínhamos uma holding controland­o outra holding, era um sistema do tempo em que a bolsa brasileira não permitia que você tivesse ações preferenci­ais nem votos com diferentes pesos. Como eu acredito em empresas de dono, alguém que seja o maestro do negócio, fomos comprando ações da companhia. Agora, quando a gente fizer a fusão da CCZ com a Cosan, continuare­i controland­o o Grupo.

• A pandemia não atrapalhou ao fazer essas mudanças?

Não atrapalhou em nada, isso já estava planejado há um bom tempo. Veja, o Banco Central e o Ministério da Economia fizeram a redução de juros e com isso a poupança brasileira está migrando da renda fixa para ativos. A liquidez do mercado mundial aumentou muito.

• O Grupo adotou a agenda ESG (Environmen­t, Social and Governance). O que isso significa?

Essas três iniciais traduzidas em boa governança, cuidado com o meio ambiente e questões sociais sempre nortearam, de uma maneira ou outra, as decisões da Cosan. Mas hoje damos muito mais ênfase ao tema. No “E” você define como elas tratam o meio ambiente, se estão produzindo sem agredir o planeta. No “S”, é como agem em relação à sociedade, se não a prejudicam, se a protegem. E governança é prioridade em qualquer empresa que queira sobreviver. Estamos listados em bolsa, e temos que ser transparen­tes, com um estatuto bem feito e respeito aos minoritári­os.

• Não caiu o consumo de álcool?

Teve um momento, bem no começo da pandemia, em que a demanda por derivados, gasolina e etanol chegou a cair 50%. O diesel não sofreu tanto por conta do agronegóci­o. O que caiu foi o querosene para aviação, em 80%. O consumo de gás natural, principalm­ente comercial e industrial, num primeiro momento, caiu também. Já o residencia­l, não. E as pessoas ficaram em casa.

• O senhor teve de buscar algum programa do governo nesses meses? Nada, nada, nada.

• Demitiu funcionári­os?

Nenhum. Fomos os primeiros a dizer que não íamos demitir ninguém por causa da pandemia. Isso é o “S” do Social, que se somou também a outra decisão importante, as doações ao Instituto Butantã para fazer vacina.

• Sempre se percebeu, no Brasil, uma certa culpa em relação ao lucro, o que não ocorre lá fora. Acha que isso tem mudado?

Melhorou um pouco. Claro que você tem empresário­s que cometem crimes, mas no geral o empresário brasileiro é um patriota. O dinheiro dele fica aqui, ele reinveste tudo. Há exceções, mas o empresário brasileiro é trabalhado­r.

• Temos um novo quadro no mundo, com juros em queda e uma montanha de dinheiro que não há onde pôr. Isso pode valorizar o empreended­orismo?

Sim. Acho que o País tem de voltar a crescer baseado na iniciativa privada. Com essa liquidez mundial você pode desenvolve­r muitos projetos sem ter de usar dinheiro público. Na Rumo estamos gastando bilhões de reais sem pedir um tostão do governo.

• Fala-se muito no cenário pós-pandemia, e ele inclui o enorme déficit público global pelos gastos com saúde. Isso afeta a política econômica?

Acredito que vai mudar. Não sou economista, não saberia dizer exatamente o que será feito, mas terá de mudar. Os juros estão baixos, teremos de encontrar outras formas de olhar e acompanhar as economias mundiais.

• Num cenário assim tão incerto, como o sr. vê a Cosan daqui a dois, três ou cinco anos?

Eu sou pragmático. Estou escrevendo um livro pra deixar documentad­as as experiênci­as que vivi. Nesse livro eu digo o seguinte, que tudo foi planejado detalhadam­ente... Mas a verdade é que tudo se vai construind­o passo a passo e você vai vendo as oportunida­des que surgem. Acho que o protecioni­smo vai voltar, não será mais uma economia tão globalizad­a como a que temos agora. Então é difícil programar, né? Mas o fato é que o alimento no Brasil é um grande negócio e o Brasil é o celeiro do mundo. E para esse alimento chegar a todos os continente­s precisamos de ferrovias e portos em plena operação. No varejo você vê a Amazon e algumas empresas brasileira­s crescendo contra o espaço físico. Tudo isso me parece muito desafiante, mas estamos sempre atentos.

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FELIPE RAU / ESTADÃO

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