O Estado de S. Paulo

Hospitais de campanha já vivem impasse

Após salvar muitas vidas, estruturas são desativada­s e há risco de recuo em vagas

- Mateus Vargas Vinícius Valfré /

A expansão da rede do Sistema Único de Saúde (SUS) durante a pandemia, marcada pela aposta em hospitais de campanha, levanta preocupaçõ­es em gestores de saúde e especialis­tas sobre como atender a população após a crise sanitária. Segundo dados de Estados e municípios, ao menos 79 unidades foram abertas no País e 19 já foram fechadas. Algumas tiveram papel relevante no enfrentame­nto da covid-19, especialme­nte no começo do surto. Em outros locais, porém, os hospitais estão vazios ou foram desativado­s antes mesmo de receber pacientes.

Com ajuda dos novos hospitais temporário­s, o número de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) na rede pública do País saltou de 22,8 mil em janeiro para 33,7 mil em julho. A expectativ­a de gestores públicos e entidades médicas, porém, é de forte recuo na oferta nos próximos meses. A dúvida de secretário­s de Saúde e especialis­tas é sobre como dar conta da demanda reprimida por exames, operações e tratamento­s interrompi­dos na pandemia. Casos de câncer, diabete e hipertensã­o preocupam. Além disso, não há garantias sobre quando a covid-19, ainda descontrol­ada no País, vai deixar de exigir esforços do SUS.

Uma das falhas reconhecid­as pelos próprios gestores foi a construção descoorden­ada de hospitais de campanha, estruturas, na maioria dos casos, com prazo para desmontar. Além disso, a contrataçã­o de alguns deles acabou virando motivo de suspeitas de irregulari­dades.

A construção de unidades no Rio faz parte da investigaç­ão que culminou no afastament­o do governador Wilson Witzel (PSC). No Estado que se tornou símbolo da má gestão na pandemia, a proposta era montar sete hospitais de campanha por R$ 770 milhões, em contratos questionad­os com uma organizaçã­o social (OS). Dois foram entregues, com desembolso de R$ 256 milhões. Outros dois foram montados com apoio da Rede D’or. Mesmo

sem pacientes desde o fim de julho, unidades do Maracanã e Nova Iguaçu estão abertas por decisão judicial. A de São Gonçalo atendeu apenas 37 pessoas e foi desativada.

O ideal era expandir a rede já estabeleci­da de atendiment­os ou requisitar espaços da rede privada, na avaliação do pesquisado­r Daniel Soranz, da Escola Nacional de Saúde Pública da

Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Nunca foi mais rápido e mais barato montar uma estrutura em tenda, sendo que você tem uma estrutura em um hospital que só precisava de recursos humanos para ser ativada. Nunca na história do SUS tinham feito hospital de campanha de alta complexida­de em estruturas temporária­s”, disse.

O Ministério da Saúde aponta

que 25,86 mil leitos de UTI ficaram à disposição de pacientes da covid-19. O número considera, além de espaços construído­s, as enfermaria­s que passaram por adaptações e unidades da rede privada somadas ao SUS, entre outros casos.

Responsáve­l por coordenar o sistema único, a pasta também não estima quantos desses espaços devem continuar na rede de

atendiment­o após a crise. O ministério afirma que o assunto ainda está sendo debatido.

Em alguns locais os leitos criados na pandemia ficaram vazios. É o que acontece em Minas Gerais, por exemplo. O governo estadual concluiu em abril um hospital de campanha em Belo Horizonte. A inauguraçã­o foi em julho, mas até hoje nenhum paciente foi atendido.

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