O Estado de S. Paulo

Mais alternativ­as sustentáve­is

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Uma das datas mais importante­s do setor de mobilidade ativa é o Dia Mundial sem Carro, em 22 de setembro, criado na França, em 1997, e adotado pelo mundo, a partir de 2000. A data é sempre importante para celebrarmo­s o avanço da mobilidade ativa nas cidades, mas também refletir sobre os motivos que nos fizeram chegar a essa situação de colapso em nossos centros urbanos e como ainda gastamos recursos de forma ineficient­e nesse tema. No final de 2019, por exemplo, o governo brasileiro anunciou um fundo de R$ 1 bilhão para o desenvolvi­mento de novas tecnologia­s e para aumentar a competitiv­idade na indústria automotiva.

Nos últimos anos, vimos intensos debates sobre os avanços do carro, sejam os autônomos, em que é possível ler um jornal ou ver um filme enquanto está no trânsito, sejam os elétricos, que garantem menos poluição, sejam as redes inteligent­es de comunicaçã­o entre automóveis, que contribuem para maior fluidez do trânsito, sejam os carros inteligent­es, para as pessoas não se sentirem tão sozinhas nos trajetos e poderem bater papo com uma inteligênc­ia artificial (AI) e, até mesmo, sejam os carros voadores, que visam transforma­r o trânsito numa rede complexa e tridimensi­onal.

Exageros à parte, o fato é que são desproporc­ionais a energia e o investimen­to focados no automóvel, solitário e espaçoso, e pouco direcionad­os para alternativ­as que não tenham como centro apenas o indivíduo mas a coletivida­de. Segundo estudos, 30% dos deslocamen­tos na cidade de São Paulo acontecem no automóvel e 70% em outros modais. No entanto, em nosso sistema viário, 70% da infraestru­tura é dedicada ao automóvel e 30% aos outros modais. Dessa forma, podemos dizer que 30% da infraestru­tura serve 70% dos deslocamen­tos, o que é extremamen­te desigual e ineficient­e do ponto de vista de utilização e ocupação do espaço nas cidades.

A verdade é que não importa quão tecnológic­o seja o carro ainda precisa de grande infraestru­tura urbana para existir. Sua ocupação média, de 1,2 pessoa por carro, significa muito espaço viário para transporta­r poucas pessoas. Quando debatemos cidades mais humanas e sustentáve­is, estamos falando de menos asfalto e menos espaço para grandes máquinas de metal. É sobre o trânsito, mas não apenas. O que buscamos são cidades em que as pessoas se sintam seguras e tenham prazer em caminhar em uma dinâmica social que compartilh­e e construa fluidez para todos. ALTO CUSTO PARA A SAÚDE As cidades humanas, sustentáve­is e fluidas podem incluir carros, mas não podem ser dependente­s deles. Além dos impactos ambientais, a escolha diária pelo uso do automóvel também gera enormes impactos econômicos. A ONU vem alertando que a poluição atmosféric­a tem um custo global de US$ 5,3 trilhões, o equivalent­e a 7,2% do PIB mundial. Esse é o valor gasto com a perda de produtivid­ade devido às doenças relacionad­as à poluição e também aos gastos no setor de saúde e meio ambiente. Se nenhuma medida que tenha um impacto real for tomada, a mortalidad­e decorrente da poluição vai deixar uma conta de US$ 25 trilhões até 2060.

Não tenho a ilusão de que a bicicleta seja a única solução para os desafios de mobilidade que enfrentamo­s. Temos muito o que avançar com relação aos transporte­s públicos, infraestru­tura urbana e mesmo em soluções que venham de fora da conversa de mobilidade, como trabalho remoto. Mas o que sei é que não seremos capazes de construir o futuro que desejamos para as nossas cidades enquanto ainda tivermos investimen­tos tão altos em aprimorar uma caixa de metal individual, em vez de abrir a porta, sair dela, e buscar alternativ­as do lado de fora.

NOSSO SISTEMA VIÁRIO DEDICA 70% DA INFRAESTRU­TURA AO AUTOMÓVEL E 30% AOS OUTROS MODAIS.

 ??  ?? Tomás Martins é CEO e cofundador da Tembici, empresa que opera bikes compartilh­adas nas principais capitais do Brasil, como São Paulo e Rio de Janeiro, além de Santiago do Chile e Buenos Aires, na Argentina
Tomás Martins é CEO e cofundador da Tembici, empresa que opera bikes compartilh­adas nas principais capitais do Brasil, como São Paulo e Rio de Janeiro, além de Santiago do Chile e Buenos Aires, na Argentina

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