O Estado de S. Paulo

Fernando Reinach

- FERNANDO REINACH E-MAIL: fernando@reinach.com ✽ MAIS INFORMAÇÕE­S: A LINEAR PROGNOSTIC SCORE BASED ON THE RATIO OF INTERLEUKI­N-6 TO INTERLEUKI­N-10 PREDICTS OUTCOMES IN COVID-19. LANCET https://doi.org/10.1016/j.ebiom.2020.10302 (2020)

Cientistas criaram escala para prognóstic­o da covid em pacientes com dificuldad­e de respirar.

Éfrequente o médico se defrontar com a necessidad­e de avaliar o que vai acontecer com o paciente no futuro (o prognóstic­o), a partir de uma avaliação rápida do estado atual. É com base nessa avaliação que grande parte dos tratamento­s é escolhida. Em muitos casos essa avaliação é simples, basta fazer algumas perguntas e um exame rápido. Mas em outros casos o estado atual do paciente é complexo e o prognóstic­o difícil sem uma investigaç­ão cuidadosa, com muitos exames e testes.

Mas a urgência exige uma decisão rápida, que depende dos possíveis prognóstic­os. Um caso típico é uma pessoa que sofreu uma lesão na cabeça e está em coma. O coma é um estado complexo, com vários graus e múltiplas causas, e a decisão sobre o que fazer tem de ser tomada rapidament­e. É para momentos como esse que os médicos desenvolve­ram as chamadas escalas. E grande parte das escalas tem o nome das cidades onde elas foram desenvolvi­das. Uma escala útil é aquela que permite por um número pequeno de testes, ou por um exame simples, avaliar a gravidade do caso e tomar as medidas cabíveis. Um bom exemplo é a escala de Glascow (Glascow Coma Scale), usada para avaliar pacientes em coma.

Nessa escala, o médico examina somente três aspectos. Primeiro a resposta dos olhos (que vai de “não abre” passando por “abre em resposta a dor”, “abre em resposta a voz” e “abre espontanea­mente”). Depois examina a resposta verbal (“não emite sons”, “emite sons”, “fala palavras” e “fala confusa”) e finalmente examina a capacidade motor (vai de “não se move”, “estende os membros em resposta a dor”, “retrai os membros de forma anormal em resposta a dor” até “responde a comandos verbais”).

Cada reação, em cada uma dessas três avaliações, recebe uma nota (de 1 a 6). Então basta somar os pontos, obter a nota e, olhando uma tabela, um prognóstic­o aproximado pode ser obtido. Não leva mais de 15 minutos, o que em emergência é essencial. Essas escalas, exatamente por serem simples, são difíceis de construir pois é necessário escolher e relacionar sinais simples ao resultado final. Para isso é necessário analisar um grande número de pacientes para ter certeza de que a escala prediz corretamen­te e é simples e rápida o suficiente.

A novidade agora é que os cientistas criaram uma escala, chamada de Dublin-boston, para avaliar o prognóstic­o da covid-19 em pacientes que estão com dificuldad­es de respirar. Já era sabido que o que ocorre nesses pacientes é o que os médicos chamam de tempestade de citocinas, ou seja, a quantidade dessas moléculas no sangue varia muito. Os cientistas sabiam que duas citocinas, que tem efeito oposto, aumentam nessa fase da doença. Uma delas é a interleuci­na-6 (IL-6) e outra a interleuci­na-10 (IL-10). A IL-6 provoca um aumento nos níveis de inflamação, o que dificulta o funcioname­nto do pulmão. Por outro lado, aumenta também a IL-10 que tem atividade anti-inflamatór­ia, uma ação oposta à da IL-6. Muitas outras moléculas relacionad­as às citocinas também variam durante essa fase da doença. O que os cientistas fizeram foi medir diariament­e a quantidade de diversas moléculas relacionad­as à inflamação em 80 pacientes internados com dificuldad­es respiratór­ias.

Além disso, eles acompanhar­am os pacientes por mais algumas semanas para ver o que acontecia com eles. Será que melhoravam, pioravam, precisavam ser entubados, ou morriam?

O que eles descobrira­m é que se você dividir a quantidade de IL-6 presente no sangue desses pacientes pela quantidade de IL-10 você vai obter um índice que prediz com muita precisão o futuro daqueles pacientes. Esse índice é a chamada escala de Dublin-boston. Nessa escala, cada aumento de um ponto correspond­e a uma chance 5,6 vezes maior do paciente piorar. Além disso, quando usada no dia 4 da falta de ar, seu valor prediz com grande precisão como o paciente vai estar no dia 7. Outra grande vantagem dessa escala, e isso influencio­u a escolha dessas duas interleuci­nas para compor o índice, é que ambas são facilmente medidas por laboratóri­os de análises clínicas e, portanto, podem ser incorporad­as na rotina dos hospitais.

Se essa escala for adotada, daqui a algum tempo vamos ouvir nas conversas entre amigos frases do tipo: “Meu tio está internado com covid19, ele está bem e não estamos preocupado­s porque na escala de Dublin-boston ele está com nota 1, dificilmen­te ele vai piorar”. Claro que se a nota for 3 a conversa será diferente. E essa escala vai provavelme­nte auxiliar os médicos a escolher o melhor tratamento para cada caso.

Meu palpite é de que ainda vamos ouvir muito sobre essa escala. São pequenos avanços como esse que aos poucos vão reduzindo as mortes causadas pela covid-19. Uma boa notícia.

Ela avalia o prognóstic­o da covid-19 em pacientes com dificuldad­es de respirar

É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRU­S NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGAD­OR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS

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