O Estado de S. Paulo

Vera Magalhães

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Esquerda vai ficar correndo atrás do rabo e esperar anos até voltar a ter aderência na sociedade, para além das bolhas.

Opanorama das disputas municipais mostra uma constante de Norte a Sul do País: depois de 2018, a esquerda segue dividida, com o PT insistindo em transforma­r a sua estratégia eleitoral de agora e de daqui a dois anos num tribunal sobre as culpas pelo impeachmen­t de Dilma Rousseff e a posterior eleição de Jair Bolsonaro – partindo da premissa, é claro, que nem uma coisa nem outra são sua própria responsabi­lidade.

Por conta dessa divisão, cidades como Fortaleza e Recife assistem a uma autofagia do chamado campo progressis­ta, abrindo espaço para o cresciment­o, ao menos temporário, como mostram as pesquisas, de nomes de centro-direita e direita.

Outras, como São Paulo e Rio de Janeiro, assistem à possibilid­ade de a esquerda simplesmen­te ficar de fora da disputa final por conta dessa dificuldad­e de unir propósitos e agendas.

O candidato petista em São Paulo, Jilmar Tatto, começa a sair do pelotão dos últimos colocados justamente quando se iniciava um movimento interno para que desistisse da candidatur­a para apoiar Guilherme Boulos, do PSOL.

Era evidente que um candidato petista em São Paulo não amargaria índices tão baixos quando se tornasse conhecido. Mas a questão é outra: qual o teto para o partido na cidade depois de ter perdido no primeiro turno quando governava a capital e, dois anos depois, Fernando Haddad também ter sido derrotado em terras paulistana­s?

Isso deveria ter levado o PT a uma reflexão profunda de seu próprio legado nacional e local, e a propor uma candidatur­a que pudesse ser uma resposta a essas derrotas, e não uma reafirmaçã­o de tudo que levou a elas, como a de Tatto.

Usar o pleito de 2020, em plena pandemia, com Jair Bolsonaro tendo cruzado todos os limites dos arreganhos autoritári­os, para repisar as teses de que Dilma sofreu um golpe e Lula foi tirado do pleito de forma ilegítima, como fazem nomes como a presidente da sigla, Gleisi Hoffmann, todo santo dia, é mostrar que não se entendeu nada do cenário de 2013 para cá e se quer dar mais uma chance para Bolsonaro.

O presidente, marotament­e, mandou Paulo Guedes submergir até depois da eleição. Não quer ouvir falar em nova CPMF até lá, porque pensa em “varrer o PT do mapa”, sobretudo no Nordeste.

A resposta da esquerda: brigar entre si em Estados e capitais que hoje governa e ignorar a pandemia e a responsabi­lidade de Bolsonaro sobre ela. O que importa é uma disputa particular para ver se será o lulismo ou o cirismo a largar na frente para 2022, ainda que à custa de redução do espaço nacional da esquerda como um todo.

Fica evidente que um campo político está desnortead­o quando se vê, por exemplo, que o fim de semana é tomado por dois “atos”: de um lado, os movimentos negros “cancelando” Fernando Haddad por conta de uma piada sem graça com suposta conotação racista – a despeito do que o petista efetivamen­te tenha feito como ministro, prefeito ou acadêmico em relação ao combate ao racismo.

De outro, uma campanha virtual de militantes petistas para banir do Twitter o jornalista Samuel Pancher – que nos últimos meses tem feito um trabalho muito acurado de expor as mazelas bolsonaris­tas por meio de vídeos mostrando o presidente em todo o seu esplendor atentatóri­o à democracia – só porque ele “ousou” opinar que há traços antidemocr­áticos também no PT.

Com tal grau de interdição do espaço de dissenso e tamanha incapacida­de de discutir a sério o longo e tortuoso caminho que nos trouxe até aqui, o campo que vai do centro (que incorre nos mesmos erros e tem ainda menos relevância) à esquerda vai ficar correndo atrás do próprio rabo e esperando por anos até voltar a ter aderência no conjunto da sociedade, para além das bolhas.

Esquerda se perde entre pulverizaç­ão de candidatur­as e tribunal de 2016 e 2018

EDITORA DO BR POLÍTICO E APRESENTAD­ORA DO PROGRAMA RODA VIVA, DA TV CULTURA

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